Foto: Ann Weitz, 1973. |
Em 1973, Michael Rother conheceu os músicos Hans-Joachim Roedelius e Dieter Moebius. Juntos, Roedelius e Moebius já eram nomes bastante conhecidos no rock e na música experimental alemã, desde o final dos anos 60, primeiramente tocando com Conrad Schnitzler como Kluster e depois como uma dupla, mudando o nome da banda para Cluster. Michael Rother havia escutado uma faixa do Cluster e se interessou pela música da dupla. Com a intenção de convidar Roedelius e Moebius para juntarem-se ao NEU! em uma tour pela Inglaterra, Michael Rother viajou para Forst, onde Roedelius e Moebius moravam, e para onde Michael mudou-se, em seguida, formando o Harmonia, outra banda alemã influente nos anos 70. O primeiro disco do Harmonia, "Musik von Harmonia" foi lançado em janeiro de 1974. Também em 1974, Rother co-produziu "Zuckerzeit", o terceiro álbum do Cluster, e foi durante um concerto do Harmonia em Hamburgo, no Fabrik, que Brian Eno entrou em contato com Rother, Roedelius e Moebius. Em 1975, o Harmonia lançou seu segundo disco, "Deluxe" (com o baterista Mani Neumeier como músico convidado em algumas faixas), e no ano seguinte, no mês de setembro, Brian Eno juntou-se ao trio na sua casa em Forst, Alemanha. "Tracks and Traces", um disco do Harmonia com o Brian Eno, foi gravado durante o período que Eno permaneceu com a banda, mas só foi lançado em 1997, e depois relançado com faixas extras em uma reedição muito bem feita, via o selo Grönland, em 2009 (em 2007, o selo Grönland também lançou o álbum "Live 1974", gravado pelo Harmonia em um concerto na Penny Station, em Griessem, Alemanha, no dia 23 de março de 1974).
Foto: Ann Weitz, 1976. |
Em novembro de 2010, eu tive a oportunidade de assistir ao Michael Rother ao vivo, no SESC Vila Mariana (em São Paulo) em um concerto muito legal, no qual Michael Rother - jutamente com o baterista Steve Shelley e o baixista Aaron Mullan - tocaram como Hallogallo 2010. Um concerto espetacular, devo dizer! Eu contatei o Michael Rother para convidá-lo a fazer esta entrevista há alguns meses, e eu fico muito feliz que ele tenha encontrado algum tempo na sua agenda atarefada para enviar-me as respostas para a entrevista em áudio, que eu prontamente transcrevi (com a ajuda do próprio Michael Rother). Então é isso, eu tenho a oportunidade de publicar esta entrevista hoje, no dia 2 de setembro, dia do aniversário do Michael Rother! Muito obrigado, Michael, e tenha um ótimo aniversário!
MICHAEL ROTHER - Meus primeiros passos na música foram, naturalmente, ouvindo minha mãe tocar piano clássico, quando eu era bem novo, na minha infância. Minha mãe estudou piano clássico e ela tocava peças do seu compositor favorito, Chopin - Frédéric Chopin - em casa. Mais tarde, quando eu tinha por volta de 7 ou 8 anos de idade, meu irmão que é dez anos mais velho do que eu, fazia festas de rock'n'roll em casa, então eu ouvia rock'n'roll, artistas como Chuck Berry, Elvis Presley, e especialmente Little Richard, que hoje em dia eu ainda adoro.
ASTRONAUTA - Na sua infância e adolescência, você morou em outros países - Inglaterra, Paquistão. Como a música feita nestes países influenciou sua vida e na sua própria musicalidade?
MICHAEL ROTHER - Quando eu tinha 9 anos de idade, depois de viver na Inglaterra por um ano, minha família mudou-se para Karachi, Paquistão, onde nós permanecemos por 3 anos, e eu ouvia... Eu tive contato com a música do Paquistão, haviam músicos, bandas e músicos locais, que tocavam nas ruas e, estranhamente, aquilo me fascinava muito. Eu sentia uma conexão forte com aquela música mágica, infinita, que parecia não ter início nem final, e eu acho que esta é uma conexão especial e emocional que eu tenho com a música até hoje em dia, a idéia de uma música que vai indo, eternamente, sem um ponto certo para acabar.
ASTRONAUTA - Antes de juntar-se ao Kraftwerk, você fez parte de uma banda chamada "Spirits Of Sound", certo? Onde o "Spirits Of Sound" tocava, na época? E a banda chegou a gravar alguma coisa?
MICHAEL ROTHER - Minha família voltou para a Alemanha em 1963. Eu morava em Düsseldorf, com meus pais. Era um período muito empolgante, porque os novos sons musicais vindos da Inglaterra - especialmente da Inglaterra - estavam chegando na Alemanha, a música de bandas como The Beatles, Rolling Stones, Kinks, e muitas outras. Todos, entre os meus amigos e colegas, nós todos ficamos muito impressionados por aquela música, e vários garotos resolveram que queriam aprender a tocar um instrumento. Eu juntei-me a uma banda, com os garotos da minha sala de aula, quando eu tinha 15 anos de idade. A banda se chamava "Spirits Of Sound". Eu escolhi tocar guitarra, que era algo que já havia me ocorrido quando eu morava no Paquistão, onde eu tentei criar uma guitarra a partir de um instrumento chamado Japan Banjo - eu acho que no Paquistão era chamado por outro nome, mas assim que ele foi chamado, quando apareceu no primeiro disco do NEU!, onde Klaus Dinger tocou aquele mesmo instrumento, estranhamente.
A "Spirits Of Sound" era, naturalmente, uma banda de colégio, uma banda amadora, e nós nos sentíamos felizes em copiar nossos heróis, tentando soar como os Beatles, os Stones, e outras bandas. Esta era toda a nossa ambição. Eu adorava fazer música, tocava guitarra sempre que podia, depois de terminar minhas tarefas escolares, até o final do dia. Nossa banda era convidada para tocar em festivais colegiais e em pequenos locais na região de Düsseldorf, e assim nós fomos ficando cada vez mais populares na cidade. Então, nos quatro ou cinco anos seguintes, nós gradualmente fomos melhorando como banda, e passamos a pegar músicas de guitar heroes como Eric Clapton (com o Cream) e, mais adiante, até mesmo músicas do Jimi Hendrix, que era - e ainda é - uma grande inspiração para mim. A "Spirits Of Sound" também esteve em um estúdio de gravação, no final dos anos 60, porque fomos convidados para participar de um filme chamado "Ein Tag Ist Schöner Als Der Andere," traduzindo, mais ou menos "Cada dia é mais belo do que o outro", e nós tivemos a chance de gravar duas canções. Eu ainda tenho as fitas, nos meus arquivos e, para você ter uma idéia do que nós estavamos procurando fazer, na época, era um tipo de música que eu abandonaria logo em seguida.
MICHAEL ROTHER - Em 1971, quando eu tocava com o Florian Schneider e o Klaus Dinger como Kraftwerk, nós fizemos alguns concertos realmente empolgantes, grandes apresentações, mas também alguns concertos que não foram tão divertidos. Parcialmente, isto acontecia por conta dos conflitos entre os membros, mas também por causa do fato de que criávamos música no local, em tempo real, não era um tipo de música completamente premeditada. Então dependíamos muito da situação, da atmosfera e da recepção da platéia. Às vezes, quando tocávamos em algum local que não era tão bom, ou que as circunstâncias não fossem muito favoráveis, não conseguíamos criar uma música tão legal, e as brigas se tornaram grandes no Kraftwerk quando o Florian, o Klaus e eu tentamos, sem sucesso, gravar o segundo disco do Kraftwerk, no estúdio com o Conny Plank. Ficou muito claro para nós três que não continuaríamos trabalhando juntos como um trio. Klaus e eu tínhamos muito mais coisas em comum, nossa visão da música parecia ter mais em comum do que o que Florian estava procurando e então, depois de nos separarmos, Klaus Dinger e eu decidimos continuar como uma dupla. Entramos em contato com Conny Plank, perguntamos se ele gostaria de gravar conosco e foi assim que começou o NEU! Naturalmente, na época, pegamos algumas das nossas idéias, algumas músicas que havíamos tocado com o Florian, como uma visão de música, e levamos para o estúdio. Mas, como você sabe, o primeiro disco do NEU! tem uma sonoridade bem diferente e, na minha percepção, foi ali que a minha própria música começou. Há um corte bem claro com tudo que eu havia feito antes daquilo. Existem similaridades, mas era um grande passo a frente para mim, e eu acho que para o Klaus também.
ASTRONAUTA - Como você conheceu o Roedelius e o Moebius?
MICHAEL ROTHER - Com o Klaus Dinger era possível gravar as músicas. Para mim, era uma combinação de muito sucesso. Klaus Dinger tinha qualidades que eu não tinha, e eu acho que o contrário também é verdade, então conseguiamos gravar as músicas que fazíamos. Porém, como dupla, com Klaus Dinger tocando bateria e eu tocando guitarra em shows, ao vivo, não havia muita profundidade na música. Com nossos dois instrumentos apenas, não conseguíamos criar detalhes o suficiente, então testamos diversos músicos e, olhando retrospectivamente, é óbvio que não conseguiríamos fazer funcionar, porque nossa visão da música era muito diferente - e também nossas idéais extra-musicais -, eram muito diferentes do que todos os outros músicos tinham em mente. Então meio que paramos de procurar por outros músicos. Mas daí eu descobri uma faixa do Cluster, banda que também estava trabalhando com o Conny Plank, e eu reconheci alí algumas similaridades musicais com minhas próprias idéias. Era uma faixa chamada "Im Süden", e então eu peguei minha guitarra e fui visitar o Roedelius e o Moebius em Forst, com a intenção de descobrir se eles poderiam se juntar ao NEU!, para tocar em uma tour pela Inglaterra. O selo inglês United Artists havia lançado os discos do NEU!, e também o single, e eles convidaram o NEU! para fazer uma tour pela Inglaterra, e então esta foi a razão pela qual eu fui até o interior, para visitar o Roedelius e o Moebius. E porque eu havia levado minha guitarra comigo, eu pude tocar - com o Roedelius especialmente - e, estranhamente, surpreendentemente, descobri que a música que eu tocava com o Roedelius era mais interessante para mim, inclusive, especialmente porque a combinação com os dois músicos, Moebius e Roedelius, levava, nos bons momentos, à uma música completamente fascinante. Nós podíamos tocar ao vivo e criar um quadro muito completo, com sons muito detalhados, e isto era, para mim, isto era muito empolgante, era um novo campo musical, que eu queria descobrir e desenvolver com os dois músicos. Esta foi a razão de eu ter me mudado para Forst, e a razão de eu viver aqui até hoje.
ASTRONAUTA - Em 1976, o Brian Eno passou alguns dias com o Harmonia, em Forst. Quais são as suas memórias deste período?
MICHAEL ROTHER - Nós conhecemos o Brian Eno em 1974. O Harmonia estava tocando em Hamburgo, estávamos fazendo um concerto na Fabrik, em Hamburgo, e o Brian Eno estava visitando a Alemanha para divulgar seu disco. Então, ele descobriu que estávamos tocando lá e pediu para um jornalista que estava entrevistando-o para levá-lo ao concerto. Então, o Brian acabou chegando no local, fomos apresentados e o convidamos para visitar-nos em Forst. Passaram-se dois anos e então, dois anos depois, ele ligou e perguntou se poderia finalmente vir para Forst, nos visitar, o que não era o melhor período porque no verão de 76, o Harmonia havia acabado. Inclusive, nós três já havíamos gravado nossos próprios albuns, cada um havia gravado um álbum solo com o Conny Plank. Eu havia gravado o "Flammende Herzen", o Roedelius tinha um disco chamado "Durch Die Wüste" e o Moebius estava com uma colaboração com outros músicos, chamada "Liliental". Então, de qualquer forma, nós não quisemos decepcionar o Brian Eno. Ele já estava a caminho para trabalhar com o David Bowie e, então, nós o buscamos em Hanover, no aeroporto, e ele passou 11 ou 12 dias em Forst. Nós gostamos da sua presença, conversávamos bastante sobre música. Nós criavamos música no estúdio, mas não havia absolutamente nenhuma pressão em cima de nós porque, no nosso entendimento, estávamos somente trocando idéias sobre música e não iríamos necessáriamente lançar um disco juntos. Eu tinha um gravador de fitas de quatro canais e então, como éramos quatro músicos, cada um de nós tinha um canal. Às vezes estávamos no estúdio, todos os quatro, às vezes só três ou só dois de nós, e apenas fazíamos esboços de idéias musicais, quando não estávamos caminhando ao lado do rio Weser, ou caminhando na floresta que há na região, ou bebendo chá, ou apenas sentados na frente de casa, no sol, descansando. Então, foi um período bastante despretencioso mas, olhando para trás e ouvindo as gravações que fizemos durante aqueles 12 dias, 10 ou 12 dias, também foi um período de alto potencial musical. É muito óbvio que estávamos em um período muito criativo e relaxado. Lançamos uma versão que o Hans-Joachim Roedelius editou em 1997 e, em 2008, eu adicionei três faixas extras, extraídas da minha própria fita K-7, com mixagens que eu fiz para mim mesmo na tarde anterior à partida do Brian Eno, quando ele levou as fitas com ele. A idéia era que ele voltasse depois de finalizado seu trabalho com o David Bowie. Não ocorreu mas, felizmente, eu tinha esta minha fita K-7 como documento, e descobri que haviam várias outras belas idéias, então eu escolhi três faixas, e Roedelius e Moebius concordaram que deveríamos adicionar estas três faixas ao álbum "Tracks and Traces", que foi lançado pelo selo Grönland em 2009. E é justamente esta versão atual que eu recomendo, na verdade. É um documento de uma fase muito produtiva para os quatro músicos.
ASTRONAUTA - Quais eram os seus principais instrumentos musicais nos anos 70?
MICHAEL ROTHER - Bom, meus principais instrumentos nos anos setenta eram, naturalmente, minhas guitarras e alguns poucos equipamentos que eu utilizava para tratar a guitarra, como fuzz box, pedal de wha-wha, pedal de volume e também um delay, que você pode ouvir em todas as minhas gravações e que era uma parte muito importante na criação do meu som. Mas então, ainda nos anos setenta, eu comecei a trabalhar com alguns sintetizadores, especialmente Farfisa, porque eu conhecia o distribuidor da Farfisa na Alemanha. Por conta disto, acabamos com vários equipamentos da Farfisa. Os pianos e sintetizadores da Farfisa também eram utilizados pelas bandas Can e Kraftwerk, nós tínhamos alguns sons de sintetizadores e pianos Farfisa em comum. Às vezes, quando você escuta o som original dos instrumentos, sozinhos, eles soam muito pobres e não são muito interessantes. Mas, combinando com os efeitos que utilizávamos, alguns tratamentos especiais que poderiamos dar ao som, era possível criar paisagens musicais bastante interessantes. Ouça, por exemplo, a faixa "Isi", que abre o disco NEU! 75, aquilo é um Farfisa, vários sons de Farfisa, tratados com alguns equipamentos old school, muito simples, mas que davam vida ao som. Estes eram meus principais instrumentos nos anos setenta. E, porque eu não consigo me desfazer de nenhum instrumento musical que eu utilizei para criar música, eu ainda tenho quase tudo o que utilizei, ainda tenho meus equipamentos no meu pequeno museu particular.
ASTRONAUTA - Em novembro de 2010 você tocou no Brazil. Quais são suas memórias dos concertos que fez aqui?
MICHAEL ROTHER - Bom, a tour foi bastante excitante porque, antes disso, antes de 2010, eu não havia visitado a America do Sul ainda, não havia me apresentado em nenhum dos países. E, Steve Shelley e Aaron Mullan (que tocou contra-baixo. Steve Shelley foi o baterista), nós formávamos um grande time e em 2010 fizemos, pelo que me lembro, 35 shows em vários países ao redor do mundo. Eu acho que nosso primeiro concerto aí foi em Belo Horizonte, algo assim, em um festival, que tería sido uma experiência muito agradável mas, infelizmente, um músico decidiu se suicidar. Eu não conhecia o músico mas nós estávamos fora, estávamos passeando pela cidade e conhecendo alguns locais muito bonitos pela cidade quando fomos chamados de volta ao hotel. Foi um desastre para o festival, este músico pulou do quarto do hotel... Eu não sei, acho que do vigésimo andar e então, naturalmente, havia uma sombra muito escura pairando sobre o festival e sobre nossa experiência no Brazil. Eu adoraria retornar ao Brazil, à America do Sul mais uma vez, para concertos e viagens sem acontecimentos sombrios como os de 2010.
ASTRONAUTA - Quais são seus projetos mais recentes e planos para o futuro?
Foto: Hadley Hudson, 2001. |
Site oficial do Michael Rother: www.michaelrother.de
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