David Borden nasceu no dia 25 de dezembro de 1938, na cidade de Boston, Massachussets. Na infância ele estudou piano mas, mesmo antes disto acontecer, David já estava envolvido com a música pois seu pai tocava piano em casa, o que fez com que ele tivesse acesso à música de compositores como Liszt, Chopin, Beethoven e Gershwin. Por causa deste treinamento auditivo, David desenvolveu ouvido absoluto.
No final dos anos 50, David frequentou a Eastman School of Music, em Rochester (NY) e foi exatamente neste período que ele conheceu a música de Otto Leuning, compositor de música eletrônica e fundador - juntamente com Vladimir Ussachevsky - do famoso Columbia-Princeton Electronic Music Center. Este interesse pela música eletrônica levou David a conhecer o engenheiro eletrônico Robert Moog em 1967 e, dois anos depois, fundar o primeiro conjunto formado somente por sintetizadores, o Mother Mallard's Portable Masterpiece Co. Nos primeiros anos, o Mother Mallard utilizou basicamente sintetizadores modulares monofônicos Moog e foi a primeira banda a levar um Minimoog para os palcos (enquanto este ainda estava sendo desenvolvido), em maio de 1970. O Mother Mallard gravou grandes músicas, que ainda soam novas e modernas hoje em dia!
Em 1973, David foi convidado para gravar a trilha sonora da película "O Exorcista" (ele conta-nos um pouco sobre isto na entrevista abaixo) e, como a maiorias das coisas relacionadas com "O Exorcista", coisas misteriosas aconteceram e apenas alguns segundos da música que David criou podem ser ouvidos no filme. Também em 1973 o Mother Mallard lançou seu primeiro álbum - "Mother Mallard's Portable Masterpiece Co.", que na verdade era uma coleção de peças gravadas entre 1970 e 1973 - e em 1976 a banda lançou seu segundo disco ("Like a Duck to Water"). Ambos os discos foram lancados originalmente pelo selo próprio da banda, Earthquack Recordings, e estão em catálogo hoje em dia pela Cuneiform Records, assim como outros discos do Mother Mallard e álbuns solo do David Borden!
Meu primeiro contato com David foi via Facebook e email. Como um admirador de longa data da obra do Mother Mallard e tendo David Borden como um dos meus grandes super-heróis, eu nunca pensei que teria a oportunidade de contata-lo e entrevista-lo. Mas, aqui está! E eu gostaría muito de agradecer ao David pela amizade e por gentilmente ter se disposto a responder a esta entrevista! Muito obrigado, David!!!
ASTRONAUTA - David, como você descobriu a música na sua vida e como/quando você se interessou por música eletrônica e por sintetizadores (Moog em particular)? E sobre o período que você estudou em Berlin, isto influenciou de alguma maneira a música que você cria desde aqueles dias?
DAVID - Eu escrevi um relato sobre como eu descobri a música e comecei a ter aulas de piano. Se chama "The Piano Thing" e segue uma cópia, em arquivo anexo:
THE PIANO THING
Durante meus primeiros anos nesta encarnação (entre 1939 e 1943), desde que eu comecei a ter consciência das coisas, uma das minhas primeiras lembranças é de ouvir meu pai praticando ao piano, no quarto ao lado do meu, enquanto eu respousava no berço. Ele repetia frases de várias peças famosas, aperfeiçoando o dedilhado, a dinâmica, o fraseado e outras coisas. Entre os compositores estavam Liszt, Chopin, Beethoven e Gershwin. Haviam outros, incluíndo músicas no estilo ragtime, mas estes não eram tão revisitados quanto os outros quatro compositores. É claro que, como eu era criança, não tinha idéia de quem eles eram. Mas eu acredito que adquiri ouvido absoluto por causa deste "treinamento auditivo" precoce.
Isto tudo ocorreu no terceiro andar de uma casa que era dividida por três famílias, em uma rua com várias outras casas de três andares, na zona operária de Brookline, Massachusetts. A maioria das famílias eram católicas-irlandêsas, com uma prole de 3 a 5 filhos cada. Uma das famílias tinha 13 filhos. O apelido do bairro era "Whiskey Point". Meu pai era ajudante de garçon e porteiro em um restaurante e bar no Scolley Square, um dos maiores bairros da cidade de Boston (hoje em dia demolido para dar lugar ao novo Government Center). Minha mãe era uma vendedora na Woolworth que ficava em Coolidge Corner, Brookline.
Meus avôs maternos também viviam conosco naquele apartamento de 5 cômodos. Olhando para trás, hoje em dia, com o olhar de um adulto, eu me pergunto como tantas pessoas conseguiam conviver em harmonia em um espaço tão pequeno. Os cômodos eram pequenos e não havia água quente nem aquecimento central. Para mantermos os alimentos frescos, tinhamos um isopor com um grande pedaço de gelo dentro dele, que derretia e caia dentro de uma grande panela no chão. O Sr. Amendola levava o gelo dentro de uma sacola de couro, subindo os três andares de escada a cada três dias ou mais, junto com um saco de carvão. Nós só fomos ter um refrigerador depois da guerra (Segunda Guerra Mundial). O enorme fogão de ferro era a lenha e ficava na cozinha. Para tomar banho, minha mãe fervia potes grandes de água, para misturar com a água fria da banheira então, obviamente, não havia chuveiro. Lembro-me de acordar no inverno, no meu quarto gelado, e correr para a cozinha onde minha avó (a Mother Mallard, aliás... Mallard era o nome de solteria da minha mãe) me esperava com suco de laranja e torradas ao lado do fogão quente. Todos os meus amigos de infância viviam de maneira parecida (exceto por ter avôs ao invês de irmãos, o que me fazia ter um par de pais extra), então este modo de vida era perfeitamente normal para todos. A única coisa que tinhamos e que parecia fora do contexto era o piano. Era um piano de parede mas, mesmo assim, um piano. Ninguém que eu conhecia tinha um, exceto uma velha que minha mãe conhecia, mas o piano não funcionava.
Algum tempo depois de eu sair de Brookline para estudar na Eastman School of Music em Rochester, NY, meu pai me contou como aconteceu de termos um piano na minha infância.
Isto tudo ocorreu no terceiro andar de uma casa que era dividida por três famílias, em uma rua com várias outras casas de três andares, na zona operária de Brookline, Massachusetts. A maioria das famílias eram católicas-irlandêsas, com uma prole de 3 a 5 filhos cada. Uma das famílias tinha 13 filhos. O apelido do bairro era "Whiskey Point". Meu pai era ajudante de garçon e porteiro em um restaurante e bar no Scolley Square, um dos maiores bairros da cidade de Boston (hoje em dia demolido para dar lugar ao novo Government Center). Minha mãe era uma vendedora na Woolworth que ficava em Coolidge Corner, Brookline.
Meus avôs maternos também viviam conosco naquele apartamento de 5 cômodos. Olhando para trás, hoje em dia, com o olhar de um adulto, eu me pergunto como tantas pessoas conseguiam conviver em harmonia em um espaço tão pequeno. Os cômodos eram pequenos e não havia água quente nem aquecimento central. Para mantermos os alimentos frescos, tinhamos um isopor com um grande pedaço de gelo dentro dele, que derretia e caia dentro de uma grande panela no chão. O Sr. Amendola levava o gelo dentro de uma sacola de couro, subindo os três andares de escada a cada três dias ou mais, junto com um saco de carvão. Nós só fomos ter um refrigerador depois da guerra (Segunda Guerra Mundial). O enorme fogão de ferro era a lenha e ficava na cozinha. Para tomar banho, minha mãe fervia potes grandes de água, para misturar com a água fria da banheira então, obviamente, não havia chuveiro. Lembro-me de acordar no inverno, no meu quarto gelado, e correr para a cozinha onde minha avó (a Mother Mallard, aliás... Mallard era o nome de solteria da minha mãe) me esperava com suco de laranja e torradas ao lado do fogão quente. Todos os meus amigos de infância viviam de maneira parecida (exceto por ter avôs ao invês de irmãos, o que me fazia ter um par de pais extra), então este modo de vida era perfeitamente normal para todos. A única coisa que tinhamos e que parecia fora do contexto era o piano. Era um piano de parede mas, mesmo assim, um piano. Ninguém que eu conhecia tinha um, exceto uma velha que minha mãe conhecia, mas o piano não funcionava.
Algum tempo depois de eu sair de Brookline para estudar na Eastman School of Music em Rochester, NY, meu pai me contou como aconteceu de termos um piano na minha infância.
Meus pais se casaram no verão de 1935. Nenhum dos dois tinha educação formal além do estudo médio. Nenhum dos dois tinha dinheiro. Meu pai ficou órfão aos 14 anos de idade. Os pais da minha mãe eram operários sem estudos além da oitava série. Quando eles se casaram o pai da minha mãe estava doente, então eles concordaram em viver todos juntos até que ele melhorasse. Isto acabou sendo permanente. Mesmo não tendo dinheiro e vivendo em cômodos pequenos, eles naturalmente queriam ter filhos (?). Depois de vários meses tentando, mas não chegando a lugar algum no quesito gravidez, meus pais procuraram ajuda de médicos, perguntando se havia algum problema de saúde que os impedisse de ter filhos. Depois de inúmeros testes e tentativas nas vezes que a temperatura da minha mãe aumentava e outros métodos naturais para engravidar, nada aconteceu. Isso durou por quase três anos, até que eles assumiram que seriam um casal sem filhos.
Durante este periodo eles tinham economizado 300 dólares para arcarem com as despesas do parto. Não existiam planos de saúde como os que existem hoje em dia. 300 dólares era bastante dinheiro na época da Grande Depressão Econômica. Meu pai ganhava apenas 13 dólares por semana. Minha mãe ganhava menos que isso. Todos os dias a caminho de Scolley Square, meu pai passava por várias lojas de música. Ele teve algumas poucas aulas de piano quando era criança e sabia ler música. Ele amava a música, mas 50 centavos por aula acabavam sendo demais para seus pais pagarem. Ele viu que uma das lojas anunciava uma oferta que lhe chamou a atenção: se você comprasse um piano de um certo modelo e pagasse à vista, ganhava gratuitamente um ano de aulas de piano. O professor de piano era também funcinário da loja e demonstrou várias obras clássicas nos pianos. Meu futuro papai conversou com minha mãe sobro o assunto. Como eles tinham 300 dólares, a quantia exata para comprar um dos pianos, ele poderia utilizar este dinheiro para realizar seu sonho de realmente aprender a tocar piano e, uma vez que eles não podiam ter filhos, esta poderia ser uma maneira de adquirirem algo positivo. Como minha mãe já estava envolvida em atividades artísticas por conta própria, pintando com aquarela e com tinta a óleo, ela foi simpática e concordou.
Então o piano de parede foi entregue no minúsculo apartamento e meu pai pôde estudar. Ele era tão bom que a loja o usava como exemplo do quanto alguém pode aprender em tão pouco tempo, mesmo começando depois de adulto. Ele e seu professor combinaram tocar "Rhapsody in Blue" (do Gershwin) usado dois pianos da loja, com meu pai tocando as partes de piano solo e seu professor fazendo o acompanhamento orquestral. Ele passou a receber mais aulas gratuitas pelo tempo que ele se dispusesse a demonstrar os pianos. Ele também manteve seu trabalho como ajudante de garçon e porteiro.
Três semanas depois que o piano chegou em casa minha mãe ficou grávida de mim. Eu sempre digo às pessoas que eu me recusava a voltar para a terra antes que eles tivessem o piano. Carmicamente, eu acho que eu sabia que eles seriam meus pais, mas eles tinham que ter aquele piano. Deve ter sido um acordo que fizemos antes de encarnarmos.
Na época que eu comecei a ter aulas de piano, na primeira série (por um dólar a aula), eu reconhecia e sabia dizer que nota estava sendo tocada, mesmo quando não era eu quem tocava. Eu achava que qualquer um podia fazer o mesmo. Isto foi em 1944, e nesta época, meu pai estava trabalhando em uma oficina mecânica que fabricava peças para munição. Ele acabou ficando com as mãos cheias de minúsculas partículas metálicas, o que se tornou bastante doloroso, principalmente quando ele tentava tocar piano. Então, quando eu comecei a tocar, ele estava sempre pronto a me ajudar nas lições, mesmo tocando só ocasionalmente.
Depois da guerra, ele passou a ganhar a vida como zelador. Quando ficou óbvio que eu precisava de um professor de piano melhor para poder progredir rumo à minha carreira profissional, ele voltou às mesmas lojas de música que ele passava a caminho do trabalho durante a Grande Depressão Econômica. Ele perguntou a cada um no departamento de partituras musicais sobre qual professor de piano era mais qualificado. Ele teve a mesma resposta em quatro das cinco lojas. Este professor cobrava 10 dólares a hora, o que dá mais ou menos 150 dólares por hora de aula hoje em dia. Ao invés de barganhar com o professor de piano, ele arrumou um emprego extra como faxineiro nas noites livres (isto somado às várias tarefas que ele tinha como zelador). Ele fazia faxina em uma loja de donuts por 5 dólares. Ele conversou com o professor de piano sobre a possibilidade dele me dar 45 minutos de aula por 7 dólares e 50 centavos. Albion Metcalf era um dos melhores professores de piano de Boston. Ele também lecionava na Phillips Andover Academy e tinha estudado em Harvard. Eu estava em território de sangue azul. Meu pai nunca contou à minha mãe quanto ele pagava pelas aulas porque ele sabia que ela iria vetar a idéia. Ele nem mesmo me contou antes de eu receber meu primeiro diploma universitário.
Quando meus pais se aposentaram e foram para a ensolarada Florida, meu pai passou a dedicar-se aos seus interesses em horticultura. Ele cultivava as árvores e plantas mais esquisitas que eu já vi na vida e criou um projeto paisagístico muito bonito em torno da casa deles. Apenas ocasionalmente ele voltava a tentar Gershwin ao piano. O mesmo piano.
Ele morreu em 1982 e recentemente, quando minha mãe também faleceu, eu pedi que o piano fosse entregue em Tampa, para o meu sobrinho que está tendo aulas nele, enquanto eu escrevo isto. Quando estava preparando a casa da Florida para ser vendida, o corretor de imóveis contratou uma emrpesa de paisagismo para aparar o gramado, estas coisas, para facilitar a venda da casa. Quando eu encontrei o jardinheiro na porta da casa, ele olhou pra a frente da casa e disse: "Esta é a coleção de plantas mais interessante que eu já ví na vida, material muito raro". Concordo. Muito raro!
- David Borden
No que diz respeito à música eletrônica, passei a me interessar por ela depois que descobri algumas gravações do Otto Luenning em 1958 ou 1959, durante o período em que estudei na Eastman School of Music. Ele, juntamente com Vladimir Ussachevsky, fundou o Columbia-Princeton Center for Electronic Music. Eu provavelmente ouvi sua composição "Concerted Piece", para tape e orquestra, mas não estou totalmente certo. Em todos os casos, eu mencionei o quanto eu havia achado interessante para minha namorada, que era alguns anos mais velha do que eu e tinha passado o ano anterior viajando pela Europa. Ela me disse que havia encontrado com o Otto Luening em um taxi, no ano anterior. Wow, apenas dois graus nos separavam. Apenas 30 anos depois (por volta de 1988 ou 1989) que eu conheci Luening pessoalmente. Foi num ensaio no Lincoln Center. A America Symphony Orchestra wastava ensaiando o "Concerto for Bass Clarinet and Orchestra", do Les Thimmig e a peça de Luening era a próxima. Eu quase fui falar com ele, para contar a história, mas não fiz isso. Les era integrante da Mother Mallard na época, ele tocava vários instrumentos de sopro. Depois que o ensaio acabou, Milton Babbitt passou por mim e disse que a peça de Les era tão lírica que ele deveria pedir para Mitchell Parrish escrever uma letra para ela.
Quando eu fui para Berlin, como estudante de intercâmbio em 1965, logo encontrei o Boris Blacher, que era não só meu professor de composição mas também o diretor da Hochschule für Musik. A primeira coisa que ele me disse foi que eu já era um compositor (eu já tinha uma licenciatura e duas pós-graduações em música na época) e que eu não precisaria ter aula alguma a menos que eu realmente quisesse. Então eu meio que aproveitei minhas "férias remuneradas" em Berlin (Berlin Ocidental, na época), encontrando ocasionalmente Blacher, conforme combinado. Em um destes encontros ele me levou até o porão da escola e me apresentou a um engenheiro que havia construido um dispositivo eletrônico específico, que emitia os sons planejados por Blacher, para sua ópera que estava prestes a estrear em algum lugar da Itália. Era uma espécie de sintetizador e fazia uns sons interessantes que podiam ser modificados através de potenciômetros. Como eu não tenho nenhuma experiência em eletrônica, não faço idéia de como aquilo funcionava. Eu não tenho aptidão para nada mecânico também, então estas coisas continuam sendo um mistério para mim. Somente um ano mais tarde, quando eu conheci o Bob Moog, que aprendi os detalhes sobre como controlar um sintetizador eletrônico. Tentei entender como as placas de circuito funcionavam, mas foi frustrante. Dominar a parte externa do sintetizador foi tudo o que consegui fazer.
ASTRONAUTA - Você e Robert Moog se tornaram amigos logo no início da invenção dos sintetizadores Moog. E você foi um dos primeiros artistas a utilizar um Minimoog em um concerto, correto? Como você conheceu o Robert Moog? E qual o maior legado dele, segundo o seu ponto de vista?
DAVID - Bob e eu nos conhecemos no outono de 1967. Eu morava em Ithaca, New York - onde ainda moro - e Bob morava em Trumansburg, uma cidade a cerca de 20 minutos ao norte de Ithaca. Naquela época eu era o compositor-residente da Ithaca City School District, como resultado de uma bolsa de estudos que ganhei da Ford Foundation. Alguém (esqueci quem foi) sugeriu que eu ligasse para a Moog Company e marcasse um horário para conhecer o seu estúdio eletrônico com tecnologia de ponta. Fiz isso e Bob estava me esperando na porta. Daquele momento em diante minha vida nunca mais foi a mesma. Apesar do fato de que ter uma educação musical muito sofisticada, meus conhecimentos em eletrônica eram praticamente zero. Bob me ensinou os principios básicos sobre as ondas sonoras, filtros, modulação, envelope generators, voltagem controlada e mixagem. No entanto, eu era muito lento para aprender como funcionava o sistema modular do Bob e como conectar os módulos para fazer tudo aquilo funcionar. Na época, eu tinha problemas até para ligar meu aparelho de som caseiro. Portanto, não foi surpresa nenhuma para mim quando minhas conexões (lembre-se que naquele tempo a pessoa tinha que conectar os módulos através de cabos que transimitiam tanto sinais de áudio quanto sinais para controle de voltagem) foram tão longe que arruinaram alguns módulos pelo caminho. Eu achei que Bob iria me expulsar do seu estúdio mas, ao invés disso, ele me chamou e disse que não era para eu me preocupar com o ocorrido. Na verdade, ele me deu as chaves da empresa e me disse para voltar ao estúdio à noite e que não me preocupasse com organizar tudo depois, podia deixar tudo como eu havia utilizado.
Nos seis meses seguintes eu trabalhei no estúdio todas as noites e finalmente descobri como todo o sistema funcionava. Depois de seis meses, Bob veio falar comigo para agradecer por ter passado tanto tempo no estúdio. Ele disse que eu levei mais tempo para dominar o sintetizador do que qualquer outra pessoa levou anteriormente mas que o processo todo o fez aperfeiçoar o equipamento para ser "à prova de idiotas". Embora eu tivesse destruído vários módulos, eles redesenharam estes para que não importasse como fossem ligados no futuro, não teria como danificá-los. O mais importante de tudo, através desta esperiência, eu e Bob nos tornamos amigos para o resto da vida.
Quando o Minimoog ainda estava sendo desenvolvido, entre 1969 e 1970, eu trabalhei com o protótipo. Foi na mesma época que eu fundei o Mother Mallard - o primeiro conjunto formado por sintetizadores do mundo - com meu amigo Steve Drews. A Moog Company recebeu um convite da Trinity Church em New York, para realizar um concerto ao meio-dia utilizando os sintetizadores Moog ao vivo. Então, em maio de 1970, Steve Drews e eu viajamos para New York e executamos uma peça minha chamada Easter, para tape e dois sintetizadores. Nós nos apresetamos com o protótipo do Minimoog e com um sintetizador modular Moog X, que era na verdade a versão modular do Minimoog. Logo depois disso nós gravamos a peça (Easter) para a Earthquack Records, nosso próprio selo, mas a gravação não foi lançada até 1973. Saiu em CD pelo selo Cuneiform, em 2000. No Ebay é vendido por 60 dólares e o LP original é vendido por algumas centenas de dólares. No início dos anos 70 nenhuma gravadora nos contrataria. Foi por isso que começamos nosso próprio selo e o atraso em lançar o disco foi porque não tínhamos dinheiro até que Judy Borsher - que mais tarde se juntou à banda - colocasse o montante necessário para levar o negócio adiante.
Bob é lembrado, naturalmente, por suas inovações nos sintetizadores. Mas eu também me lembro dele pela sua generosidade de espírito incomum. Ele era um ser humano notável: honestíssimo, trabalhador e com a mente sempre aberta. Sua risada iluminava o espaço onde ele estivesse. Eu realmente sinto falta da sua presença.
Nos seis meses seguintes eu trabalhei no estúdio todas as noites e finalmente descobri como todo o sistema funcionava. Depois de seis meses, Bob veio falar comigo para agradecer por ter passado tanto tempo no estúdio. Ele disse que eu levei mais tempo para dominar o sintetizador do que qualquer outra pessoa levou anteriormente mas que o processo todo o fez aperfeiçoar o equipamento para ser "à prova de idiotas". Embora eu tivesse destruído vários módulos, eles redesenharam estes para que não importasse como fossem ligados no futuro, não teria como danificá-los. O mais importante de tudo, através desta esperiência, eu e Bob nos tornamos amigos para o resto da vida.
David Borden (1971) |
Bob é lembrado, naturalmente, por suas inovações nos sintetizadores. Mas eu também me lembro dele pela sua generosidade de espírito incomum. Ele era um ser humano notável: honestíssimo, trabalhador e com a mente sempre aberta. Sua risada iluminava o espaço onde ele estivesse. Eu realmente sinto falta da sua presença.
ASTRONAUTA - Quais foram as melhores coisas e quais foram os maiores problemas em utilizar sintetizadores modulares analógicos ao vivo? Você ainda utiliza alguns dos equipamentos analógicos que você utilizava nos anos 60 e 70? Você ainda possui algum equipamento desta época?
DAVID - Minha definição para primeiros dias é entre 1969 e 1975. Por volta de 1975, muitas bandas passaram a ter sintetizadores pequenos. Também, em 1975, os sintetizadores se tornaram polifônicos, com o lancamento do Polymoog. Não haviam sons armazenados nem sons com nomenclatura até o lançamento do Prophet-5, pela Sequential Circuits, em 1978.
A melhor coisa era realizar concertos no início dos anos 70, usando três sintetizadores modulares e dois Minimoogs, além de um piano elétrico RMI - nosso único instrumento polifônico - era a reação da platéia diante da música e da visão que se tinha do equipamento no palco. O público geralmente ficava abismado, particularmente por nossa música não tentar imitar os sons de outros instrumentos, como muitos artistas que utilizavam sintetizadores faziam no início. Nosso material era repetitivo, hipnótico e cheio de mudancas rítmicas. Era chamado de "minimalismo eletrônico" por alguns. Algumas das peças que compusemos seriam chamadas de "ambient" hoje em dia. Mas naquele tempo estes gêneros não existiam. Era uma experiência inteiramente nova para o público na época e, naturalmente, para nós também. Tecnicamente, tudo era novo. Nós tínhamos que nos adaptar e inventar um modo de configurar o sistema de som, a mesa de som, os cabos, tudo no palco, porque não existiam os procedimentos padrões ainda. Nós faziamos tudo nós mesmos, sem a ajuda de técnicos de som ou roadies.
Os problemas de realizar apresentações nesta época eram muitos. Primeiramente, todos os Moogs eram sensíveis a quaisquer variações de temperatura, então nós tínhamos que reafinar os osciladores enquanto tocávamos. Em New York, a corrente alternada (AC) não era sempre estável, devido à sobre carga constante, então muitas vezes a tensão oscilava, o que causava muitos problemas. Nós finalmente conseguimos um daqueles pesados reguladores de tensão, para colocarmos entre nosso equipamento e a tomada da parede. Além disso, cada peça (ou "música", como é chamada hoje em dia) que tocávamos pedia uma configuração diferente então, consequentemente, o tempo entre uma peça e outra era longo. Para amenizar isto nós alugávamos desenhos animados para projetar entre uma peça e outra. Nós tínhamos que fazer isso no escuro, só com aquelas lanterninhas vermelhas. Mas nós eramos bons nisso porque boa parte dos nossos ensaios era utilizada para mudarmos as configurações do sintetizador o mais rápido que pudessemos.
Eu ainda possuo um Minimoog dos anos 70 que eu ocasionalmente uso. Eu levei ele para o Bob atualiza-lo, fazê-lo ficar compatível com MIDI, nos anos 90, quando a sua empresa ainda se chamava Big Briar. Somente após a chegada do novo milênio que os tribunais finalmente permitiram ele retomar o direito de usar seu sobrenome nos seus produtos. Um instrumento que eu amo utilizar ao vivo é o Moog Voyager que eu adquiri alguns meses depois que Bob faleceu. Eu ainda possuo a unidade de demostração portátil do Bob, que ele usava nos anos 60. Era parte do nosso equipamento de palco. Eu vendi um dos primeiros Minimoogs, dei o protótipo para a Audities Foundation - com o aval de Bob - e devolvi um dos sintetizadores modulares para Bob, a pedido dele. Este sintetizador faz parte do acervo de instrumentos da Bob Moog Foundation hoje em dia. O Modular Moog X foi perdido em um incêndio.
Mother Mallard em agosto de 1975, no Johnson Museum, Cornell University, Ithaca, NY. (Judy Borsher, Steve Drews e David Borden) |
Os problemas de realizar apresentações nesta época eram muitos. Primeiramente, todos os Moogs eram sensíveis a quaisquer variações de temperatura, então nós tínhamos que reafinar os osciladores enquanto tocávamos. Em New York, a corrente alternada (AC) não era sempre estável, devido à sobre carga constante, então muitas vezes a tensão oscilava, o que causava muitos problemas. Nós finalmente conseguimos um daqueles pesados reguladores de tensão, para colocarmos entre nosso equipamento e a tomada da parede. Além disso, cada peça (ou "música", como é chamada hoje em dia) que tocávamos pedia uma configuração diferente então, consequentemente, o tempo entre uma peça e outra era longo. Para amenizar isto nós alugávamos desenhos animados para projetar entre uma peça e outra. Nós tínhamos que fazer isso no escuro, só com aquelas lanterninhas vermelhas. Mas nós eramos bons nisso porque boa parte dos nossos ensaios era utilizada para mudarmos as configurações do sintetizador o mais rápido que pudessemos.
David Borden com seu Moog Voyager no Issue Room Project Room (Junho de 2011) |
ASTRONAUTA - Em 1973 você recebeu um convite para compôr a trilha sonora do filme "O Exorcista", dirigido por William Friedkin. E não é nenhum segredo que várias coisas misteriosas e estranhas aconteceram durante as filmagens desta película. E quanto a trilha sonora que você gravou, alguma história esquisita que você digna de mencionar?
DAVID - O filme "O Exorcista", de Billi Friedkin, foi um enorme sucesso para ele e uma grande oportunidade perdida para mim. Apesar de ter alguns minutos de música minha no filme, eu tinha sido originalmente convidado a compor a trilha sonora inteira. Billy ouviu um concerto do Mother Mallard sendo transmitido pela WBAI e me ligou. E você está certo, a realização do filme passou por muitas dificuldades. O filme original, com tudo pronto para ser finalizado - todo ele - foi perdido em um incêndio e eles tiveram que refazer todo o filme novamente. Quando eles estavam editando o filme, Billy me escreveu dizendo que o filme estava ficando mais melodramático do que ele originalmente tinha imaginado. No final das contas, ele disse que ele não poderia utilizar a música do Mother Mallard, que ele havia ouvido antes. Ele realmente se desculpou. Então, na manhã seguinte, eu fui até a fazenda onde ficava nosso estúdio e compus algumas coisas diferentes que eu achei que ele pudesse utilizar (eu não havia visto nada do filme) e enviei pelo correio para ele. Ele me ligou e disse que ele poderia utilizar tudo e é exatamente o que você ouve como música de fundo em algumas cenas. Nós (o Mother Mallard) fomos convidados para a festa com o elenco, no final das gravações de "O Exorcista". Encontramos todos os atores e Billy me levou para conhecer o set de filmagens e também de mostrou como funcionava o mecanismo que movimentava a cama no filme. Eu nunca mais estive tão perto de fazer um filme de Hollywood.
DAVID - O filme "O Exorcista", de Billi Friedkin, foi um enorme sucesso para ele e uma grande oportunidade perdida para mim. Apesar de ter alguns minutos de música minha no filme, eu tinha sido originalmente convidado a compor a trilha sonora inteira. Billy ouviu um concerto do Mother Mallard sendo transmitido pela WBAI e me ligou. E você está certo, a realização do filme passou por muitas dificuldades. O filme original, com tudo pronto para ser finalizado - todo ele - foi perdido em um incêndio e eles tiveram que refazer todo o filme novamente. Quando eles estavam editando o filme, Billy me escreveu dizendo que o filme estava ficando mais melodramático do que ele originalmente tinha imaginado. No final das contas, ele disse que ele não poderia utilizar a música do Mother Mallard, que ele havia ouvido antes. Ele realmente se desculpou. Então, na manhã seguinte, eu fui até a fazenda onde ficava nosso estúdio e compus algumas coisas diferentes que eu achei que ele pudesse utilizar (eu não havia visto nada do filme) e enviei pelo correio para ele. Ele me ligou e disse que ele poderia utilizar tudo e é exatamente o que você ouve como música de fundo em algumas cenas. Nós (o Mother Mallard) fomos convidados para a festa com o elenco, no final das gravações de "O Exorcista". Encontramos todos os atores e Billy me levou para conhecer o set de filmagens e também de mostrou como funcionava o mecanismo que movimentava a cama no filme. Eu nunca mais estive tão perto de fazer um filme de Hollywood.
ASTRONAUTA - O Mother Mallard's Portable Masterpiece Company mudou consideravelmente sua sonoridade, seu pessoal e seu equipamento durante estes mais de 40 anos desde que você fundou a banda. Para você, quais são as maiores diferenças entre os primeiros tempos da banda e hoje em dia, com novo pessoal, novo equipamento e a nova música que vocês criam?
DAVID - Você está certo, a banda mudava conforme a tecnologia mudava. Nós eramos uma banda que utilizava exclusivamente sintetizadores analógicos Moog e passamos a ser uma pequena orquestra de laptops. Em todos os casos, tenho sido abençoado por trabalhar sempre com grandes pessoas ao longo da história da banda. As formações originais da banda, as que tocavam com Moogs, era fantásticamente dedicadas a fazer a música soar o melhor possível. Nós tivemos um estúdio em uma fazenda, entre 1971 e 1978. Eu morei lá nos últimos anos deste período. Nós ensaiávamos nossas músicas quase todas as noites por algumas horas, tivessemos apresentações ou não. Então, a qualquer momento que qualquer um nos chamasse para um concerto, estavamos prontos. Exceto por Steve Drews e eu, os outros músicos daquele período (Linda Fisher, Chip Smith e Judy Borsher) não tinham prática profissional anterior, mas ainda assim compriam suas tarefas muito bem porque amavam a música e eram individuos empenhados no trabalho. Steve e eu os ensinamos como configurar os sintetizadores e como controlá-los.
Na década de 80 os Moogs foram gradualmente sendo trocados por sintetizadores de rack, como os módulos de síntese FM da Yamaha, com controladores MIDI e outros teclados polifônicos da Korg e outros fabricantes. A Lynn Purse trouxe seu próprio set de instrumentos com ela. Eu convidei o Les Thimmig para tocar uma série de instrumentos de sopro e também convidei a soprano Ellen Hargis. Nesta época, todos da banda eram músicos profissionais do mais alto nível. Meu filho, o virtuose Gabriel, se juntou a nós mais tarde, tocando guitarra. Você pode ouvi-los todos na série de CDs que gravamos para a Cuneiform no final dos anos 80, CONTINUING STORY OF COUNTERPOINT. Esta formação fez suas últimas apresentações em 1990, no Town Hall (em New York) e no Miller Theatre, dentro da Columbia University, em 1991. Entre um show e outro nós excursionamos pela Europa.
No período entre o final dos anos 80 e 2005 eu criei o Digital Music Program, na Cornell University. Os computadores mudaram tudo! Durante os anos 90, a banda fez basicamente apresentações locais, com algumas saídas para fora da cidade apenas. Para este concertos eu chamei diferentes músicos de Ithaca, com ocasionais participações de Lynn Purse e de Les Thimmig. Em 1999 nós nos apresentamos no concerto comemorativo aos 30 anos da criação da banda, com a participação de todos os músicos das formações passadas - com exceção de Ellen Hargis, que estava em tour cantando operas antigas. Pegamos alguns dos instrumentos originais, com diferentes formações tocando o repertório. Foi uma grande noite, com casa cheia, no novo auditório do Cornell Theatre, Film and Dance Department. Depois disso, tivemos uma festa comemorativa particular em um restaurante próximo.
Em 2001 eu reuni o grupo atual. Os tecladistas Blaise Bryski e David Yearsley são mais do que ótimos. São dois dos melhores tecladistas com quem eu toquei na minha vida e estão muitos níveis técnicos acima de mim nos teclados. Então, é uma honra muito grande tocar com eles. Blaise é PhD em música antiga e David, também PhD em música, é um organista premiado mundialmente e um musicólogo cujo livro BACH AND THE MEANINGS OF COUNTERPOINT (Oxford University Press) tem recebido críticas elogiosas. Em 2009, para os concertos comemorativos ao 40º aniversário da banda, eu convidei mais um tecladista -- Josh Oxford, um jovem especialista em sintetizadores -- e passei a incluir projeções de vídeos nas apresentações. Eu compus algumas peças para celebrar meus vários anos compondo peças para dança moderna. Aqui estão as peças e os links para você assistir online, no YouTube:
Na década de 80 os Moogs foram gradualmente sendo trocados por sintetizadores de rack, como os módulos de síntese FM da Yamaha, com controladores MIDI e outros teclados polifônicos da Korg e outros fabricantes. A Lynn Purse trouxe seu próprio set de instrumentos com ela. Eu convidei o Les Thimmig para tocar uma série de instrumentos de sopro e também convidei a soprano Ellen Hargis. Nesta época, todos da banda eram músicos profissionais do mais alto nível. Meu filho, o virtuose Gabriel, se juntou a nós mais tarde, tocando guitarra. Você pode ouvi-los todos na série de CDs que gravamos para a Cuneiform no final dos anos 80, CONTINUING STORY OF COUNTERPOINT. Esta formação fez suas últimas apresentações em 1990, no Town Hall (em New York) e no Miller Theatre, dentro da Columbia University, em 1991. Entre um show e outro nós excursionamos pela Europa.
No período entre o final dos anos 80 e 2005 eu criei o Digital Music Program, na Cornell University. Os computadores mudaram tudo! Durante os anos 90, a banda fez basicamente apresentações locais, com algumas saídas para fora da cidade apenas. Para este concertos eu chamei diferentes músicos de Ithaca, com ocasionais participações de Lynn Purse e de Les Thimmig. Em 1999 nós nos apresentamos no concerto comemorativo aos 30 anos da criação da banda, com a participação de todos os músicos das formações passadas - com exceção de Ellen Hargis, que estava em tour cantando operas antigas. Pegamos alguns dos instrumentos originais, com diferentes formações tocando o repertório. Foi uma grande noite, com casa cheia, no novo auditório do Cornell Theatre, Film and Dance Department. Depois disso, tivemos uma festa comemorativa particular em um restaurante próximo.
Mother Mallard no Brooklin, NY (Junho de 2011) (foto: Brian Harkin para o New York Times) A banda: David Borden, Gabriel Borden, Blaise Yearsley e Sam Godin (que não aparece nesta foto). |
Tribute to Ruth St. Denis & Ted Shawn
(Third Sunset é um anagrama de Ruth St. Denis)
(The Dawns é um anagrama de Ted Shawn)
Third Sunset.01
The Dawns.01
Third Sunset.02
The Dawns.02
Denishawn
(Os vídeos mais curtos foram removidos do YouTube e trocados pelas versões completas)
Viola Farber in 7 Movements
01. Be/Fore
02. Alive
03. Love/Fear
04. Brief
05. Love/Fable
06. Verbal
07. Voilà
(Os títulos dos movimentos são formados pelas letras das palavras "Viola Farber")
Espero ter respondido completamente a todas as suas perguntas. Boa sorte nos seus empreendimentos.
David
Mother Mallard em agosto de 1975, tocando no Johnson Museum, Cornell University, Ithaca, NY. (Judy Borsher, Steve Drews e David Borden) |
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