Thursday, November 20, 2014

Entrevista com Andrew Rudin


Charles Andrew Rudin nasceu na cidade de Newgulf, no Texas, em 10 de abril de 1939. Ele interessou-se por música muito cedo, ainda na infância, e começou a ter aulas de piano aos 7 anos de idade com Lila Crow, a única professora de piano de Newgulf. Ela também levava o jovem aluno para assistir operas em Houston, Texas. Algum tempo depois, Andrew Rudin estudou também trombone e violoncelo, além de compôr suas primeiras peças, aos 15 anos de idade.

Em 1957, Rudin ingressou na University of Texas, em Austin. Nesta mesma época ele conheceu alguns trabalhos de compositores experimentais europeus, incluíndo a musique concrète de Pierre Schaeffer, a elektronische musik de Karlheinz Stockhausen e a tape music de Vladimir Ussachevsky e Otto Luening. No início dos anos 60, ele deixou a University of Texas e mudou-se para a Philadelphia, onde ingressou na University of Pennsylvania, onde estudou com os compositores George Rochberg, Karlheinz Stockhausen, Ralph Shapey e Hugo Weisgall. Depois da sua graduação, Andrew juntou-se ao corpo docente da Philadelphia Musical Academy. Um amigo de Andrew da época do segundo grau havia recém juntado-se à companhia de dança do famoso coreógrafo Alwin Nikolais, que foi um dos primeiros clientes de Robert Moog - Nikolais adquiriu um dos primeiros Sintetizadores Moog em 1964. O coreógrafo também foi o responsável pelo primeiro contato de Andrew Rudin com o Sintetizador Moog. Pouco tempo depois, quando Rudin soube que o departamento de música da University of Pennsylvania estava começando a montar seu estúdio de música experimental, ele contatou Robert Moog e a U Penn logo teria um dos primeiros grandes estúdios de música eletrônica projetados por Bob Moog. Em 1966, Rudin compôs e realizou sua primeira composição com o Sintetizador Moog, "Il Giuoco", peça para filme e sons sintetizados. 

Em 1967 a Nonesuch Records, gravadora especializada em lançar discos de música clássica a preços populares, interessou-se em ter música eletrônica no seu catálogo. Primeiramente, o selo lançou os álbuns "Silver Apples of the Moon", de Morton Subotnick, "Music for Voices, Instruments & Electronic Sounds", de Kenneth Gaburo, e "The Nonesuch Guide to Electronic Music", da dupla Beaver & Krause. Então, por recomendação de Robert Moog, o selo teve conhecimento dos trabalhos eletrônicos de Andrew Rudin e encomendou uma composição que ocupasse um LP inteiro. Em 1968 "Tragoedia - A Composition in Four Movements for Electronic Music Synthesizer", peça composta entre outubro de 1967 e abril de 1968, foi lançada. "Tragoedia" utilizava instrumentos projetados por Robert Moog e, algum tempo depois, trechos da peça foram utilizados pelo diretor italiano Frederico Fellini no seu filme "Satyricon", de 1969. Ele realizou um segundo trabalho para filme e sons sintetizados, "Paideia", além de continuar a compor para conjuntos e companhias de dança.

Durante os anos 70, Andrew Rudin lecionou música eletrônica, composição e teoria musical na Philadelphia Musical Academy. Em 1972, "The Innocent", uma ópera que misturava música orquestral, sons eletrônicos e vozes teve sua estréia. Andrew Rudin não apenas compôs a música, mas também foi responsável pelos cenários, projeções e figurinos. Em 1975, Alwin Nikolais contratou Andrew Rudin como seu assistente musical, e ele colaborou com Nikolais em várias performances, incluíndo "Styx", "Arporisms", "Guignol" e "Triad". Andrew também compôs peças eletrônicas para o coreógrafo Murray Louis, como "Porcelain Dialogues" e "Ceremony."

Andrew Rudin deu aulas na Juilliard School of Music entre 1981 e 1985, onde ele lecionou em seminários de ópera dos séculos 19 e 20, óperas de Mozart, quartetos de corda dos séculos 19 e 20 e o ciclo dos anéis, de Wagner. Suas peças "Memories of Texas Towns &  Cities", "Two Elegies for Flute and Piano", e "Cortege" (escrita em memória da sua mãe) estrearam nos anos seguintes. Em 1991, Rudin escreveu "Ballade", para sopro e percussão e, no ano seguinte, o balé "Chiaroscuro" estreou na Painted Bride Gallery, na Philadelphia. Na primavera de 2001, um concerto com músicas de Andrew Rudin foi realizado, em comemoração à sua aposentadoria na University of the Arts, na Philadelphia, e incluiu sua peça de música eletrônica "Il Giuoco" e também a recém-composta "Sonata for Violin and Piano". Em 2004, Rudin juntou-se à diretoria da Orchestra 2001, um conjunto da Philadelphia. Atualmente ele é o vice presidente da mesa diretora da orquestra, entre outras atividades. 

Meu primeiro contato com Andrew Rudin foi via Facebook e, na sequencia, por email para realizar a entrevista publicada a seguir. Eu gostaria de agradecer muito o Sr. Rudin, pelo tempo que ele gentilmente cedeu para responder às minhas perguntas. Durante minhas pesquisas para a entrevista, eu tive a oportunidade de conhecer um pouco mais das obras dele, principalmente suas peças eletrônicas e primeiros trabalhos com o Sintetizador Moog. É um prazer e uma honra dividir com os leitores deste blog algumas informações sobre este grande compositor e figura humana tão gentil. E segue aqui a entrevista:


ASTRONAUTA - Andrew Rudin, como foi sua iniciação na música, e quando você percebeu que queria ser músico e compositor?

ANDREW RUDIN - Eu queria muito ter aulas de piano, quando tinha por volta dos cinco anos de idade. Mas não tínhamos piano em casa. Meus pais não estavam nem um pouco conectados à música. Eu acho que no início dos anos 40 a música clássica, especialmente a executada ao piano que eu ouvia pelo rádio, acabou me atraíndo. Minha única exposição ao vivo à esta música foi na Igreja Metodista, que eu frequentava. Nós vivíamos em Newgulf, Texas... uma cidade construída para abrigar os trabalhadores da Texas Gulf Sulphur Company. Havia uma mulher na cidade, que ensinava piano. Felizmente, ela tinha muita prática e era, na verdade, uma musicista bastante sofisticada. Depois de dois anos pedindo aos meus pais para ter aulas de piano, eu escapei um dia depois da aula na escola, e acompanhei um amigo na sua lição de piano. Depois disso, eu meio que me matriculei nas aulas. Então, veio o dilema de contar aos meus pais, ou não, o que eu havia feito. Felizmente deram risadas, depois foram até Houston e compraram um piano para mim.

ASTRONAUTA - Como foi seu primeiro contato com a música eletrônica, e porque você se interessou em compôr peças de música eletrônica?

ANDREW RUDIN - Quando eu me tornei aluno da University of Texas, em 1958, as primeiras informações sobre os estúdios de música experimentais europeus, especialmente em Milão, Frankfurt e Paris, começaram a ser assunto entre os estudantes e compositores interessados. Nós todos estavamos confusos com o que seria aquilo exatamente. Eu acho que as primeiras peças que escutei foram os trabalhos com musique concrète do Pierre Schaeffer. Então, logo em seguida, nós conhecemos os primeiros "estudos" do Stockhausen. E, provavelmente algo desconhecido para nós na época, o Sintetizador RCA - que mais tarde foi incorporado pelas Universidades de Columbia e Princeton -, que estava começando a ser experimentado por Milton Babbitt e outros. Um dos primeiros trabalhos norte-americanos que eu lembro de escutar foi o "Concerto for Tape Recorder and Orchestra", uma colaboração em conjunto do Otto Luening e do Vladimir Ussachevsky. O concerto havia sido gravado pela Louisville Symphony, que estava lançando uma série de gravações por assinatura nos anos 50 e 60, de trabalhos novos. Quando fui embora do Texas para cursar o seminário de graduação do George Rochberg, na University of Pennsylvania, nós fizemos uma viagem com a classe até New York, para assistirmos ao histórico evento que foi o concerto com as primeiras músicas produzidas lá no estúdio da Columbia-Princeton, utilizando o Sintetizador RCA. Eu fiquei intrigado por esta nova tecnologia imediatamente, e fiquei feliz ao saber que a U Penn estava tentando projetar um estúdio de música experimental, mas não sabia exatamente o que colocar no estúdio, além dos gravadores, mesas de mixagem, osciladores, etc.

ASTRONAUTA - Como você conheceu o coreógrafo Alwin Nikolais e quais são as suas lembranças sobre ele?

Alwin Nikolais e Andrew Rudin
ANDREW RUDIN - Quando eu vim para a Philadelphia, para ingressar na Faculdade, eu reencontrei um amigo meu da época do segundo grau no Texas. Ele estava em NY tentando encontrar um lugar para estudar dança. Suas aulas de verão com Hany Holm em Colorado o haviam levado até a Henry Street Settlement School, onde o Nikolais tinha começado a lecionar. Ele também tinha montado sua companhia de dança e realizava apresentações anuais no seu pequeno teatro no Lower East Side, em New York. Eu fui assistir aos ensaios, quando fiu visitar meu amigo, e então me convidaram para assistir às performances, caso eu concordasse em recepcionar o público e entregar os programas das apresentações, o que eu fiquei muito feliz em fazer. Como resultado disso, eu acabei conhecendo a maioria dos dançarinos da companhia, e também o Nikolais e seu parceiro, Murray Louis, que também era coreógrafo e tinha sua própria companhia. Então, eu acho que foi na primavera de 1963 que o Nikolais, me vendo como sempre no lobby de entrada do teatro, me convidou para vir no dia seguinte, depois da matine, para me mostrar o que ele chamava de "Moog-o-phone". Seu técnico de som, James Seawright, tinha visto o protótipo do Moog sendo demonstrado em uma exposição eletrônica, e disse a Nikolais: "é tipo um sintetizador pequeno (referindo-se ao RCA Synth). Cabe em cima de uma mesa. (A recente invenção dos transistores possibilitava isto). Nik, você DEVE ter um." E, na verdade, Nikolais adquiriu aquele protótipo talvez, ou então fez alguns dos primeiros pedidos de compra de um Moog. Tudo era soldado à mão, em placas perfuradas. Circuítos impressos só apareceram alguns anos mais tarde. Eu fiquei bastante intrigado com o que eu estava vendo e ouvindo mas, ao mesmo tempo, como compositor, eu imediatamente ví algumas limitações alí. Principalmente o fato do instrumento ser monofônico, mas também os controles limitados de envelope... pelo que eu me lembro, nestes primeiros projetos, eram apenas três estágios: instantâneo, médio e lento, com pouca diferença entre os estágios, relativamente. Mas então eu retornei aos meus estudos na U Penn e comuniquei o que eu havia visto. Eles então contataram o Robert Moog e o convidaram para vir e prestar uma consultoria. Logo em seguida, um dos primeiros estúdios de grande porte foi encomendado, para ser instalado por Robert Moog no porão da Annenberg School of Communications, no Campus da U Penn. Ocupava o espaço originalmente construído para ser um estúdio de rádio, com janelas de vidros triplos dividindo a sala em duas, como de costume, e com o porão sem janelas e à prova de som. Pelo que me lembro, o Robert Moog chegou em um ônibus Greyhound e trouxe os módulos do sintetizador em caixas de papelão.

Alguns anos mais tarde, depois que eu já havia estabelecido minha reputação como compositor de música com sintetizadores e já havia trabalhado com várias companhias de balé e de dança moderna, o Nikolais me chamou e me convidou para conversar com ele sobre a possibilidade de trabalhar como seu assistente musical. Seu sucesso nas viagens com sua companhia, pelo mundo todo, possibilitavam tempo suficiente para a composição das peças musicais... Ele sempre fez tudo virtualmente, em todos os seus projetos... coreografia, iluminação, figurino, cenários e também as peças de musique concrète... Ele mesmo, em pessoa... Um artista completo. Nos anos seguintes, eu fiz uma peça para Murray Louis, e Nikolais, lutando para montar uma nova apresentação - Styx - resolveu reciclar alguns dos sons desta peça que fiz para o Murray e utilizar nesta nova apresentação, com minha permissão e assistência. Eu fiquei muito emocionado com a oportunidade e, nos dois anos seguintes, eu trabalhei com ele nas partes musicais para as peças Styx, Arporisms, Triad e Guignol. A partitura que mais contou com minha contribuição foi Triad, que foi feita quase integralmente com "sobras" da minha peça anterior, "Il Giuoco", de 1966. Minha relação com Nikolais acabou de forma desapontadora, quando ele se demonstrou relutante em me dar os devidos créditos nas minhas contibuições musicais. Mesmo com praticamente tudo que é escutado em Triad sendo de minha autoria, ele levou os créditos de "composição musical", e só colocou meu nome em letras pequenas na ficha técnica. Mas isto não foi o suficiente para mim e minha relação profissional com ele acabou alí. Era até compreensível, depois de tantos anos sendo "o cara que faz tudo", ele não foi capaz de livrar-se daquela imagem. Foi um pouco como no "Mágico de Oz", quando uma voz nos diz: "não preste atenção no homem atrás da cortina." Eu aprendi muito observando como o Nikolais criava e utilizava as várias mídias, e eu continuo um admirador do seu conhecimento único na forma de misturar som, movimento, luz e imagem. Mas em um nível humano, foi bastante decepcionante. 

ASTRONAUTA - E quanto ao Robert Moog? Como e quando foi seu primeiro contato com ele? Você manteve o contato com o Bob Moog depois dele entregar o Sintetizador Moog no estúdio da Annenberg School of Communications? Quais são suas memórias sobre o Bob Moog?

ANDREW RUDIN - Apesar de ter encontrado com Bob Moog rapidamente, como eu disse antes, através do Nikolais e das negociações com a U Penn, quando ele veio entregar os componentes que encomendamos, eu não o conhecia muito bem até que fui convidado para dar aulas na Philadelphia Musical Academy, em 1965. Nós imediatamente pedimos financimento e fomos contemplados com uma verba, para montarmos nosso próprio estúdio projetado pelo Moog. Então, ele veio várias vezes, por vários anos seguidos, para trazer-nos componentes aperfeiçoados e novidades (principalmente seus sequencers). Ele normalmente vinha de ônibus e normalmente ficava no meu apartamento enquanto estava na cidade. Com excessão de uma vez, quando ele chegou cedo e, temendo ser inconveniente para mim mas também provavelmente atraído pela curiosidade, ele ficou por uma noite em um lugar esquisito, uma cadeia de hoteis de propriedade de um pastor negro, chamado Father Divine. Bob achou divertido, e gostou de toda a experiência, de ter ser café da manhã servido por vários dos "anjos" do Father Divine. Bob sempre foi o cara mais amigável de se ter por perto, e ele me convidou para ir a Trumansburg, NY, em um verão, dizendo que se eu fosse lá e ficasse por alguns dias, ele poderia me mostrar como fazer certos ajustes e manutenções, e assim eu não precisaria esperar por suas visitas. Enquanto eu estava lá, conheci Walter Carlos (não era Wendy ainda), que ainda não era a fabulosa e bem-sucedida criadora de Switched-On Bach. E, algum tempo depois, fiquei sabendo que se eu tivesse ido visita-lo 10 dias mais tarde teria conhecido alguns dos Beatles, que estavam entre os vários que peregrinaram até a fábrica da Moog. Pelo que sei, quando Robert Moog começou a fabricar seus sintetizadores, ele não tinha expectativas de que eles iriam ser adotados por todos os músicos e não só pelos esotéricos de vanguarda, localizados nas universidades. Foi chocante para ele ver a velocidade rápida que eles se tornaram acessórios para praticamente todas as bandas de rock, e até mesmo de astros de show de TV como os Monkees, cujo elenco não era nem mesmo formado por músicos ou cantores. Posso estar enganado, mas eu acredito que ele nem mesmo patenteou seus projetos e que, no fim das contas, foi apenas o fato do seu nome ter se tornado sinônimo de "sintetizador" que lhe trouxe sucesso comercial. O interessante é que seu principal concorrente nos primeiros tempos, Donald Buchla, não alcançou o mesmo status. Eu acho que isso aconteceu porque Bob estava sempre procurando atender os pedidos dos músicos... De todos os tipos... com as ferramentas MUSICAIS que eles precisavam. Uma das coisas que eu melhor lembro é dele dizendo, em resposta a uma questão que eu perguntasse, "Oh... mas isso sería útil?" Sua maior satisfação parecia ser sempre aparecer com alguma coisa que havia feito e que fosse acessível para compôr, sem a necessidade de um conhecimento complexo de engenharia eletrônica. Ele permaneceu acessível a mim ao longo dos anos seguintes, me ajudando a manter o hoje "velho" e complicado sintetizador do Nikolais em ordem, e me ajudando muito na preservação de várias das minhas primeiras peças eletrônicas, tranferindo das fitas magnéticas mofadas para o formato digital. Nós raramente encontramos um ao outro depois dos anos 60 na Philadelphia, mas mantivemos contato por telefone e uma vez ele me escreveu uma carta de recomendação muito lisojeira. Fiquei muito triste com sua partida prematura.

ASTRONAUTA - Em 1966 você compôs e realizou a peça "Il Giuoco". Como foi o processo de realização desta peça? E como foi a recepção dos críticos e do público?

ANDREW RUDIN - Um ano depois da minha graduação, eu fui dar aulas como professor substituto no Philadelphia School System. Mas, como era necessário também alguém para dar aulas em um curso de Orquestração Avançada na Philadelphia Musical Academy, me recomendaram, eu agarrei a oportunidade e determinei que faria daquela a mais excepcional demonstração das minhas capacidades. Isto então me levou, no ano seguinte, a ser contratado para dar aulas de história da música, teoria e, eventualmente, composição. E também me levou a ser efetivado como professor. Ao mesmo tempo haviam festas interessantes... compositores e músicos da música contemporânea na Philadelphia se encontravam, e então o Philadelphia Composers' Forum foi fundado, eventualmente sob a direção do meu colega de sala de aula Joel Thome. De alguma forma, os concertos da primeira temporada foram marcados e me incluiram em um evento na primavera, que também contaria com Vincent Persichetti e George Crumb, que aínda não era muito conhecido e havia recentemente se juntado ao corpo docente da U Penn. Eu me ofereci para apresentar um trabalho meu para dois pianos (eu tocando um dos pianos) e saxofone tenor. Mas, como esta peça era curta, eu impetuosamente ofereci que, já que a U Penn estava montando seu estúdio eletrônico, eu também apresentaria uma peça eletrônica. Esta é a confiança quando se tem 25 anos de idade. Apesar de não saber nada sobre como as coisas eram feitas, eu estava convencido que eu poderia fazer. Bom, a entrega e instalação dos intrumentos pelo Moog atrasou consideravelmente, e também de todo o restante do que era necessário, e o tempo corria. Então, quando finalmente me permitiram acesso ao estúdio, acho que eu tinha somente cerca de 6 semanas até o concerto. Porém, eu felizmente experimentei com os componentes do Moog, encontrei vários sons maravilhosos que gostei muito, e me senti completamente livre das amarras da notação musical. Para mim parecia mais com esculpir, ou com fazer um filme, onde vários trechos são feitos e o filme é o resultado da mixagem e da edição de vários destes trechos. Eu estava completamente livre. E, conforme eu fui completando a composição, comecei a me sentir incomodado com a apresentação. Eu não me sentiria confortável com a idéia de que as pessoas estariam escutando o Quinteto para Piano de Persichetti, as peças para piano e violino de Crumb, ou até mesmo minha própria peça para dois pianos e saxofone, e, em seguida, ficariam sentadas, olhando para um palco vazio enquanto uma fita tocava. Parte do nosso acordo, como compositores estudantes trabalhando na Annenberg School, era que faríamos as trilhas sonoras e partituras musicais para os estudantes de cinema. Então eu decidi que faria meu próprio filme de 16 mm para acompanhar minha composição para sintetizador. Como um som de alta qualidade e a estereofonia eram de extrema importância para mim, e como eu não poderia arcar com as despesas de ter trilhas sonoras óticas direto no filme, e as trilhas magnéticas tinham qualidade superior, os dois elementos foram disparados separadamente, não ficando em perfeita sincronia. Eu só consertei a situação em fevereiro passado, para uma apresentação destes trabalhos na Bowerbird, na Philadelphia, finalmente no formato digital. Esta peça pode ser assistida agora no YouTube.

A reação à mera novidade que era uma peça para sintetizador e filme, francamente, foi boa no evento, mesmo eu sendo um compositor "desconhecido". Eu marco este evento como o final dos meus dias como estudante e o início da minha vida profissional como compositor. Daniel Webster, do Philadelphia Inquirer, escreveu: "Sua opera eletrônica tem apelo imediato. A paleta de sons que ele cultiva é forte e impetuosa. Na sua partitura estão sons que se aproximam de um grupo de trombones, fortes rosnados de dragão e colorações de bronze nas frequências médias, com uma voz soprano inserida. Alguns sons de alta frequência surgem às vezes, mas quando aparecem o fazem com importância. Num certo sentido, o seu estilo é eclético; sua partitura eletrônica às vezes se aproxima dos sopros do estilo pós-romântico."

Logo em seguida à esta estréia, eu fui selecionado pelo ISCM como um dos representantes dos Estados Unidos na 5ª Biennale da cidade de Paris, a qual eu compareci, indo pela primeira vez para a Europa. E o Robert Moog ficou muito impressionado com "Il Giuoco", chegando a utilizar a peça como demonstração do que as máquinas eram capazes de fazer. Em uma entrevista para a Christian Science Monitor, ele disse que "muitas vezes se sentia como o Doutor Frankenstein, por causa de albuns pop como o "Moog Indigo" e o "I'm in the Moog for Love." Quando questionado sobre quais os trabalhos que ele aprovava, ele citou o Switched-On Bach e o meu trabalho.

ASTRONAUTA - "Tragoedia - A Composition in Four Movements for Electronic Synthesizer" foi encomendada pela Nonesuch Records e lançada em LP, em 1968, num período no qual a música eletrônica acadêmica estava se tornando popular para um público que não estava acostumado a ouvir música eletrônica. Como você vê este período, olhando em retrospecto? Como o contato com a Nonesuch Records foi feito e como a peça "Tragoedia" foi criada?

ANDREW RUDIN - A Nonesuch, nos seus primeiros anos, sob a direção criativa de Teresa Stearne, lançava gravações de música clássica a preços não muito caros, mas com muita qualidade e explorando nichos incomuns de repertório. As pessoas podiam e queriam experimentar algo relativamente diferente do repertório básico, porque o custo não era alto. Não tenho certeza se estou dizendo corretamente o ano, mas por volta de 1967 ou algo assim, a Nonesuch lançou um trabalho do Morton Subotnick chamado "Silver Apples of the Moon", uma peça composta e realizada em um Sintetizador Buchla. De forma muito inesperada, aquilo se tornou um grande sucesso para a gravadora, agradando não só os devotos da música de vanguarda mas também a geração da psicodelia, do "turn on, tune in, drop out". Seu ritmo, suas repetições "jazísticas", e seus timbres brilhantes encontraram um público que ninguém sabia que existia. A Nonesuch então encomendou a Paul Beaver e Bernie Krause um LP duplo, chamado "The Nonesuch Guide to Electronic Music". Quando a gravadora perguntou aos dois quem eles conheciam da cena que estava surgindo, eles imediatamente apresentaram a Nonesuch ao Moog, que imediatamente mencionou-me. Ambos, Beaver e Krause, me contataram e até mesmo expressaram interesse em estudar comigo. Inicialmente, o plano era lançarmos "Il Giuoco" em uma coletânea com outros compositores. Mas, com o sucesso de Silver Apples... eles se arriscaram de forma audaciosa e deram a um compositor de apenas 26 anos de idade um LP inteiro para completar com uma nova e original composição, que teria sua "estréia" no seu toca-discos e sistema de som, na sua sala de estar. Naqueles áureos tempos, quando a única verdadeira "obra-prima" do gênero era Poème Électronique, do Edgard Varèse, o meu trabalho, o do Subotnick e de outros era encontrado em três lugares diferentes nas lojas de discos: 1.) Em ordem alfabética, pelos nossos sobrenomes, 2.) em uma pilha separada, rotulada de "Eletrônica", e 3.) em outra pilha ainda, rotulada "Psicodelia". Eu fiquei abismado quando, na ocasião do lançamento de "Tragoedia", recebi uma resenha do Anfred Frankenstein, para a revista Hi Fidelity: "O melhor trabalho em larga escala de música eletrônica que eu já escutei. Nas mãos de Andrew Rudin, o idioma eletrônico finalmente amadurece. Nas suas fases iniciais, o gênero era coberto por milhares de "você-não-pode", que acabou resultando em todas as peças eletrônicas soando iguais a todas as outras peças eletrônicas. Rudin, todavia, emprega todo o espectro da expressão eletrônica, incluíndo sons de afinação fixa. Sua manipulação de todos os elementos - as cores, as texturas, os ritmos, a espacialização sonora, que é muito poderosa como recurso eletrônico - é magistral, e sua peça na verdade faz jus à gradiosidade do tema, que é nada menos do que a essencial tragédia Grega. Parece que este é o primeiro trabalho do compositor a ser lançado em disco. E, muito provavelmente, será o seu último."

Ele estava correto. Demorou cinquenta anos para que finalmente eu tivesse mais gravações lançadas em discos. Disputas contratuais no licenciamento de partes de "Tragoedia" pela Nonesuch, sem minha permissão e se nenhum pagamento, para serem utilizadas na trilha sonora do filme "Satyricon", do Fellini, me tornaram uma persona non grata para eles, e os futuros projetos foram cancelados.

ASTRONAUTA - Além de "Il Giuoco", "Tragoedia" e "Paideia", você tem mais alguma peça de música eletrônica disponível?

ANDREW RUDIN - Existem planos para o lançamento - pela Centaur Records, com quem eu tenho contrato -, de vários dos meus trabalhos eletrônicos desta época, incluindo "Il Giuoco" e "Paideia". A marioia das outras obras, "Shore Song", "View", "Crossing", "Porcelain Dialogues", todas foram feitas como peças para vários coreógrafos e companhias de dança. Este material deve ser lançado dentro de seis meses.

ASTRONAUTA - A música eletrônica se tornou bastante popular a partir dos anos 70. Naturalmente, a popularidade trouxe aspectos bons e aspectos ruins. Como você vê a música eletrônica hoje, comparando com os primeiros tempos, a tecnologia analógica, e os estúdios de fita?

ANDREW RUDIN - Nos anos 70 eu realizei inúmeras peças que incorporavam sons de sintetizadores (gravados), em trabalhos para instrumentos tradicionais, incluíndo o balé "Lumina", para o Pennsylvania Ballett, e uma ópera, "The Innocent", produzida em 1973 na Philadelphia, por Tito Capobianco. Eu também compus peças para voz com acompanhamento de fita, e uma peça curta para clarinete e fita. Depois do meu trabalho com Nikolais, eu fui gradualmente me desvencilhando de ser definido basicamente como um "compositor eletrônico", e minha experiência com a ópera e com o teatro me guiaram gradativamente naquela direção, cada vez mais distante dos trabalhos eletrônicos. Eu também achava que as escolas estavam felizes em conseguir verbas para montar seus estúdios, mas raramente tinham interesse em uma manutenção contínua e em renovar as tecnologias necessárias, e isto fazia o trabalho ficar cada vez menos interessante. Eu também passei a sentir que, com o advento dos computadores e com a presença incessante de sons sintetizados nas bandas de rock, me sentia atraído cada vez menos e menos para o que estava sendo criado. E muito do que havia sido uma verdadeira revolução nos anos 60 e 70, tinha sido absorvido, e já estava até mesmo sendo extensamente imitado e suplantado pelos meios tradicionais como, por exemplo, nos trabalhos de Penderecki e Ligeti, entre outros. Resumindo, eu acho que a maioria das coisas que eu ouço hoje em dia, que incorporam tecnologias maiores e mais sofisticadas, acho elas esteticamente menos atraentes. Resumindo, eu não trabalho com eletrônica faz muito tempo, e sinto que eu fiz o que eu queria fazer em um certo período da minha vida, e agora eu estou envolvido com outras atividades, apesar de que eu ainda tenho um orgulho do papel que eu desempenhei, e continuo considerando aquelas peças como ítens valiosos do meu catálogo.

ASTRONAUTA - Quais são seus projetos mais recentes e planos para o futuro?

ANDREW RUDIN - Meu trabalho mais recente é "Dreaming at the Wheel", um ciclo de quatro canções para barítono, baseadas em poemas de Charles Behlen, um poeta texano. A peça foi composta para quase o mesmo conjunto que Ravel utilizou na sua notável "Trois Chansons de Stephane Mallarmé", além de baixo e percussão. A estréia foi recentemente, em Dallas.

Na década entre 1975 e 1985, quando ainda trabalhava com sintetizadores, eu também compus uma ópera em três atos, tradicional, baseada na obra "As Três Irmãs", de Anton Chekov. esta peça permanece inédita, mas eu espero que ela encontre seu caminho para o palco. 

Recentemente, nos últimos anos, houveram algumas estréias e gravações dos meus concertos para Violino, Viola e Piano, bem como sonatas para Piano, Violino, Viola, Cello... todas disponíveis através da Centaur Records

Em breve eu viajo pela primeira vez para Moscow, onde minha "Celebrations", para dois pianos e percussão, será apresentada. Meu projeto mais ambicioso é uma ópera de câmara, para quatro cantores e um conjunto de doze intrumentos, baseada na novela "A Sinfonia Pastoral", de Andre Gide.

ASTRONAUTA - Andrew Rudin, muito obrigado pelo tempo que você dedicou à esta entrevista. Eu espero que eu possa encontrar o senhor pessoalmente algum dia! Desejo tudo de bom para você!

ANDREW RUDIN - E, sim... Eu gostaria muito se pudessemos nos encontrar. Eu fico muito intrigado com o seu interesse, e o de muitos outros jovens, que continuam fascinados pela música eletrônica e, especialmente pelo papel que alguns de nós desempenhamos nos primórdios do seu desenvolvimento. 

Alguém recentemente escutou "Il Giuoco" e me escreveu para expressar que ele considerava esta peça muito superior à "Silver Apples" do Subotnick, e apontou que ela inclusive foi feita anteriormente à peça do Subotnick, apesar de que, naturalmente, não tivesse a circulação e publicidade que "Silver Apples" teve. Eu nunca havia pensado nisto. 

Muito obrigado pelo seu interesse. Eu espero que eu não tenha elaborado demais as respostas para suas questões. Com certeza, sinta-se livre para editar da forma que você desejar. 

E nos encontraremos sim, algum dia. Com certeza me contate sempre que eu puder ser útil para você. 

Tudo de bom para você -

Andrew Rudin

Visite o site de Andrew Rudin: www.composerrudin.com


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