Monday, March 30, 2015

Entrevista com Charles Shere


Charles Shere nasceu no dia 20 de Agosto de 1935, em Berkeley, California, USA. Na infância, ele teve aulas de piano e violino, bem como estudou instrumentos de sopro, um pouco mais adiante. Ele estudou música e literatura Inglesa no Chapman College, Santa Rosa Junior College, San Francisco State University e na University of California em Berkeley, onde graduou-se com louvor em 1960.

No início dos anos 60, Charles Shere estudou composição com Robert Erickson, tanto particular quanto no San Francisco Conservatory, e com Luciano Berio no Mills College. Na metade dos anos 60, ele foi nomeado Diretor Musical da KPFA, em Berkeley, uma das principais estações de rádio a transmitir música avant garde na sua programação. Os trabalhos de Shere como compositor incluem peças para piano, violino, orquestra (Nightmusic, 1967; Symphony in Three Movements, 1989; concertos para piano, 1964; para violino, 1989), poeta falando em línguas e orquestra de câmara (Tongues), soprano e violino (Certain Phenomena of Sound, 1983) e, entre tantas outras peças, destaca-se a opera 'The Bride Stripped Bare by Her Bachelors, Even' (1986), baseada em uma pitura do artista Franco-Americano Marcel Duchamp. Seus livros incluem 'Thinking sound music: the life and work of Robert Erickson', biografia do compositor Robert Erickson; 'Getting There', um livro de memórias focado justamente no período que abrange esta entrevista; e o recém publicado 'Venice and the Idea of Permanence', com ensaios sobre arte, culinária, música e outros assuntos variados. Ele também tem um restaurante chamado Chez Panisse, com sua esposa e outros sócios, e também mantém um blog muito interessante, que você pode visitar pelo link: http://cshere.blogspot.com.br/

O website oficial do Charles Shere e da sua esposa é: www.shere.org

Meu primeiro contato com o Senhor Shere para realizar esta entrevista foi via facebook e, na sequencia, via email. Gostaria muito de agradece-lo publicamente, por dar-nos um pouco do seu tempo respondendo minhas perguntas. Muito obrigado, Sr. Shere! E aqui segue a entrevista:


ASTRONAUTA - Charles Shere, quais são as suas memorias sobre o seu primeiro contato com a música e as artes? E qual foi seu primeiro instrumento musical?

CHARLES SHERE - Minha memória mais remota é de tocar violino em uma orquestra infantil na Feira Mundial de San Francisco, na Treasure Island, que fechou, acredito eu, em 1940 ou 1941 (eu completei seis anos de idade em Agosto de 1941). Nós tocamos uma peça chamada Kitty-Cat Waltz, que incluia uma glissando na corda de Mi, e uma garotinha que estava sentada perto de mim se mijou durante o concerto, porque ficou muito nervosa. É tudo o que eu me lembro desta ocasião.

Na mesma época eu tive aulas de violino e piano, mas de 1942 a 1949 eu não estudei nem tinha a disposição nenhum instrumento musical.

Quando eu comecei o segundo grau, no Outono de 1949, eu me matriculei para as aulas de música instrumental. Meu instrumento principal era o fagote, mas eu também aprendi vários outros instrumentos de sopro, menos flauta, trompa e tuba. Não existiam instrumentos de corda na minha escola.

Quando eu saí do colégio, toquei um pouco de trompa, até porque eu nunca tive meu próprio bassoon. Eu juntei-me à orquestra do colégio, e fui convidado a tocar as partes de fagote na trompa, até porque não tinha nenhum fagote disponível. Quando o concerto finalmente aconteceu, entretanto, um fagotista foi contratado, então eu fui realocado para tocar triangulo na peça "Caucasian Sketches", mas segundo trompa em uma sinfonia de Haydn.

ASTRONAUTA - E quanto ao seu primeiro contato com a música e a arte de vanguarda? Quais compositores mais influenciaram as suas próprias composições?

Primeiro contato: um concerto de música de câmara, com peças do Anton Webern, na UC Berkeley, mais ou menos em 1958; um concerto ao meio-dia, com peças do LaMonte Young e do Terry Riley (que eram então alunos da UC Berkeley), mais ou menos no mesmo ano; um concerto com peças do John Cage, com o próprio Cage e o David Tudor, em San Francisco, 1960. Levou algum tempo, alguns anos, para chegar em um acordo com este tipo de música, mas eu imediatamente a achei fascinante. Naqueles tempos, a estação de rádio KPFA transmitia uma série chamada "Contemporary Music in Evolution," com curadoria e produção de Gunther Schuller, e também transmitia ao vivo de Donaueschingen e outros festivais.

Minhas influências: Webern; Ives; Satie; Earle Brown; Roman Haubenstock-Ramati; Cage, eu suponho; e Erickson.

ASTRONAUTA - No início dos anos 60, você estudou com Robert Erickson e, mais tarde, também escreveu um livro sobre ele (Thinking Sound Music: The Life and Work of Robert Erickson.) Quais as suas memórias sobre a primeira vez que você teve contato com o Robert Erickson, e também sobre o seu último contato com ele, se você não se importar de entrarmos no assunto?

CHARLES SHERE - Eu acho que fui apresentado ao Erickson pelo Gerhard Samuel, que era o regente da Oakland Symphony, e com quem eu tive algumas aulas de regência. Eu lembro poucas coisas especificas sobre os métodos de lecionar do Erickson, que pareciam muito tolerantes, embasados e gentis.  Ele nos ensinava - ei estudei com ele no San Francisco Conservatory, bem como particularmente - ele nos ensinava a usar a régua de medir ângulos para "modular" o tempo, mudando os ritmos de, por exemplo,  de uma semínima para uma semínima pontuada, para uma colcheia, e então utilizar esta como o novo tempo para a semínima, e assim por diante. Ele também nos apresentou às formas angulares de tipos e ao Rapidograph, que permitia-nos desenhar nossos próprios marcadores que, hoje em dia reconheço, libertava-nos das convenções, e este era um aspecto importante dos seus ensinamentos.

Depois de mudar-se para San Diego, para ajudar a projetar o departamento de música na UC San Diego, eu o ví poucas vezes; mas quando comecei a escrever sua biografia, eu tentava ir visita-lo a cada ano, pelo menos. Ele estava bastante doente, nos ultimos anos de vida. Um pouco antes de falecer, ele me perguntou quando meu livro seria lançado. Não até eu acaba-lo, eu dizia. Bom, acabe, ele dizia. Ele nunca mencionou que outro livro estava sendo escrito, por outro autor.

ASTRONAUTA - E quanto a Luciano Berio, outro dos seus professores de composição?

Duas histórias engraçadas: eu cheguei cedo em uma das suas aulas; ele estava no quadro negro, terminando de escrever uma melodia deslumbrante, que eu tomei como sendo do J. S. Bach. Quando eu disse a ele o quão bonita a melodia era, ele sorriu e disse que ele recem a havia pensado. Em outra ocasião, ele estava ensaiando um conjunto para apresentar sua peça "Circles", e o harpista reclamou que sua escrita era muito percussiva para o instrumento. Você não entende a harpa, o músico disse, a harpa é um instrumento complexo, metade fêmea, metade macho. Bem, disse Berio com desdém, olhando para suas calcas, eu sou macho por inteiro.

Das aulas de Berio eu lembro principalmente dos exercicios envolvendo quadrados mágicos de númeors, aquele tipo de coisa. Não muito preocupado com o andamento do trabalho, mudanças e desenvolvimentos, como Erickson fazia muito bem.

ASTRONAUTA - Na metade dos anos 60 você passou a ser o Diretor Musical da KPFA, um dos mais importantes veículos na promoção das artes de vanguarda do seu período. Era também a época em que a cena rock psicodélica passou a chamar a atenção para a California, principalmente para a cidade de San Francisco. Como você vê e descreve a importancia da KPFA, e como você relaciona a rádio com outras estações do mesmo período?

CHARLES SHERE - Resumidamente, a importância da KPFA, durante os anos 60 - eu assumi o posto de Diretor Musical em 1967, e me desliguei completamente da estação em 1970 - sua importância foi em tornar acessível uma música nova e incomum, vinda de várias partes do mundo. Haviam poucas gravações comerciais deste tipo de música naquela época e, naturalmente, não havia Internet. Também haviam discussões, resenhas e entrevistas - eu entrevistei o Boulez, por exemplo, e o Feldman, o Cage, o Stockhausen, sempre aproveitando a oportunidade para tentar entrar um pouco nos seus pensamentos e no seu trabalho, para tentar compreender, e muitas vezes eu deliberadamente copiava, para ter um maior conhecimento do funcionamento. (Haviam me ensinado a fazer isto nas minhas primeiras aulas de teoria musical no Chapman College, em Los Angeles, em 1953; e, além disso, naqueles dias pré-máquinas copiadoras, como eu não podia adquirir as partituras de Webern, por exemplo, eu as copiava na biblioteca.)

Eu mesmo nunca senti nenhuma atração por rock, mas vários dos músicos de rock emergentes tiveram suas primeiras exposições a coisas novas através da KPFA. Eu me transferi para o Mills College para minhas aulas com Berio, por exemplo, juntamente com Phil Lesh e Tom Constanten, antes de Phil ajudar a formar o Grateful Dead - ele tocou trumpete em uma peça que eu escrevi para uma produção da UC Berkeley de uma peça do Tennessee Williams (Camino Real), por volta de 1960.

A KPFA tinha estações irmãs naquela época, em New York (WBAI) e Los Angeles (KPFK), mas minha impressão é de que a San Francisco Bay Area era mais inovadora do que New York e Los Angeles, provavelmente por que é uma região mais isolada.

O advento das tecnologias de compartilhamento, como a fita cassette, ajudaram a tirar o rádio desta significante posição como um facilitador da difusão de experiências. Talvez não fosse mais tão importante. E, naturalmente, a vanguarda rapidamente desenvolveu, com muito exito, novos seguidores, sempre com um apelo suspeitosamente comercial, na minha visão, mas muito significante no aspecto social. Eu tive sorte de estar na Bay Area e na KPFA em um momento de transição bastante inspirado e inspirador.

ASTRONAUTA - Como você vê o presente e prevê o futuro da música e das artes de vanguarda?

CHARLES SHERE - Eu percebo que já comecei a tocar neste assunto. Há cinquenta anos, muitos achavam que depois do John Cage, depois do Marcel Duchamp, havia pouca coisa mais a ser descoberta. O conselho de Ezra Pound para se "Fazer o novo!" parecia ser impossível de ser obedecido; era a hora de retornar a continentes já descobertos e investigar mais detalhadamente as grandes expansões que os pioneiros haviam alcançado na sua corrida pela descoberta. Naturalmente era dito que Joyce havia finalizado seu livro, mas setenta e cinco anos de publicações seguiram-se desde o surgimento de Finnegans Wake.

Uma substituição para a musica avant garde dos anos 60 tem sido a World Music, que as novas tecnologias e a nova economia globalizada têm facilitado o acesso - ela começou a afetar a música de vanguarda mais enraizada e tradicional por volta de 1970, quando Steve Reich e Philip Glass trouzeram ideias Africanas para o "minimalismo", e agora está cruzando em direção a um nicho de entretenimento comercial de música séria, através de conjuntos como o Kronos Quartet e o Silk Road Project, do Yo Yo Ma.

Mas quanto a prever o futuro, como um grande pensador uma vez bem colocou, se alguém pudesse fazê-lo, não haveria então futuro, haveria?

ASTRONAUTA - E, uma última questão, como você relaciona seus outros interesses com a música e a escrita?

CHARLES SHERE - Eu acho que o grande presente da humanidade é a curiosidade criativa e intelectual. Como lou Harrison gostava de dizer: eu gosto de vários brinquedos, e de um grande playground. Musica; literatura; artes visuais; culinária; viajar; Natureza - quanto mais alguém abrange, mais de perto examina, mais rica a vida desta pessoa é, e mais frequentes e memoráveis os prazeres.

Então eu gasto meu tempo lendo e escrevendo, viajando e contemplando, conversando e escutando, bem como eu fiz nesta última hora, respondendo às suas perguntas. Eu completarei 80 anos de idade neste verão, e eu disfruto da minha idade. Eu em sinto finalmente confortável com a idéia de que eu tenho que começar a entender algumas coisas, ou ao menos compreende-las. Muito disto não pode ser colocado em palavras, naturamente, mas a pessoa continua a tentar.

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Charles Shere

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