Wednesday, June 03, 2015

Entrevista com Bernard Szajner


Bernard Szajner nasceu em Grenoble, cidade situada no sudoeste da França, no dia 27 de junho de 1944. Pioneiro na utilização de lasers e artes visuais aliados à música, Szajner trabalhou como light designer para bandas de rock mundialmente conhecidas como Gong, Magma, e The Who na década de 70. Sentindo a necessidade de uma relação mais próxima entre a música e a iluminação nas apresentações, e percebendo que a maior parte dos músicos não compartilhava destes mesmos sentimentos, Szajner decidiu que criaria sua própria música para preencher e completar suas performances visuais, dando início assim a um conceito completamente novo de espetáculo de Sons e Luzes.


Em 1979, Bernard Szajner lançou (sob a alcunha de Zed) seu primeiro LP, "Visions Of Dune". O álbum era todo baseado em personagens e situações extraídas do famoso livro "Dune", escrito por Frank Herbert em 1965. Em "Visions Of Dune" Szajner utilizou sintetizadores, técnicas de gravação em fita e também convidou alguns músicos para participar - incluindo o cantor da banda Magma, Klaus Blasquiz - para alcançar uma atmosfera sonora que traduzisse o livro em sons e música. No ano seguinte "Some Deaths Take Forever" foi lançado, também utilizando sons sintetizados e contando com músicos convidados durante a gravação. "Superficial Music" foi lançado em Dezembro de 1981 e em 1983 Szajner assinou um contrato com a Island Records, para o lançamento de "Brute Reason" (com o ex-Buzzcocks e ex-Magazine Howard Devoto como vocalista convidado em três faixas.) Na metade dos anos 80, depois de lançar dois EPs doze polegadas ("The Big Scare", de 1984, e "Indécent Délit", de 1986) Bernard Szajner decidiu abandonar a música e dedicar-se exclusivamente às artes visuais.

Na década de 2010, Bernard Szajner decidiu retomar sua carreira na cena musical, depois de mais de 20 anos longe dos palcos e estúdios de gravação. O selo Francês InFiné relançou seu "Visions Of Dune" em 2014, tornando possível que um público maior conhecesse e passasse a apreciar a música de Bernard Szajer. 

Meu primeiro contato com o Sr. Szajner foi via Facebook e, na sequência, por email para realizarmos esta entrevista. Sempre muito gentil e generoso, mesmo estando muito ocupado com seus inúmeros projetos, concertos, exposições e palestras, o Sr. Szajner arrumou um tempo na sua agenda para responder algumas perguntas nesta entrevista!


ASTRONAUTA - Quais são as suas memórias mais remotas sobre música e artes durante a sua infância e adolescência?

BERNARD SZAJNER - Minha primeira percepção musical foi no "gramofone" de uma vizinha, que me fazia ouvir vários discos de 78 rotações, dos quais eu lembro de um, vagamente, com uma canção popular dos anos 60... A letra era mais ou menos assim... "quand allons nous nous marier, nous marier, mon cowboy adoré"... Então, mais tarde, eu descobri alguns artistas franceses, cantoras como Juliette Creco, Edith Piaf e, naturalmente, o cantor Jacquel Brel, que somente mais tarde descobri, era belga... Não foi antes dos anos 70 que eu descobri os músicos "modernos"... Quanto às outras artes, na infância meus pais me levaram algumas vezes ao Opéra onde, encantado pela "mágica" no palco, eu assisti meu primeiro ballet: "le dac des cygnes" e algumas óperas como "A Flauta Mágica" e "Oberon", etc...

ASTRONAUTA - E quanto aos seus primeiros contato com a música e arte de vanguarda e eletrônica? Quais os compositores que mais te influenciaram, no início da carreira?

BERNARD SZAJNER - Originalmente, nos anos 70, eu escutava artistas como Frank Zappa, Terry Riley, King Crimson, Tangerine Dream, Kraftwerk... E eu trabalhava como designer de Light-Shows "ao vivo" para bandas de rock: Gong, Magma, The Who... Contudo, depois de alguns anos de experiência trabalhando com várias bandas, eu fui me desapontando pela falta de interesse no meu desejo de trabalhar de forma mais próxima e colaborativa, para estabelecer uma "relação íntima" entre a música e as imagens... Então, pensei "se eles não querem trabalhar juntos nesta relação... Vou criar eu mesmo a minha música!" Eu havia trabalhado com compositores contemporâneos como Pierre Henry e Olivier Messiaen, e tinha também descoberto artistas como John Cage, e estes artistas influenciaram minhas composições mais adiante, assim como os músicos de "Rock" me influenciaram...

ASTRONAUTA - Antes uma seguir a carreira como compositor de música eletrônica, você trabalhou como light designer com alguns artistas e bandas, incluindo Gong, Magma, e The Who. Como foi trabalhar com estas bandas, e como foi a transição, para você, de trabalhar como light designer para outros artistas para seguir com sua própria carreira como músico, compositor e light performer?

BERNARD SZAJNER - Como comentei anteriormente, trabalhar com estas bandas era maravilhoso, mas também frustrante! Mas, quando eu decidi "compôr" a música eu mesmo, novos problemas surgiram: como eu iria tocar se eu nem mesmo sabia como encontrar um simples Dó no teclado? Essas dificuldades tornaram-se tão obsessivas que eu esqueci completamente de trabalhar nas imagens e luzes, e fui obrigado a "colocar de lado" a "relação íntima" que eu tanto queria... Rapidamente eu me tornei obcecado pela "composição" e, com dois sintetizadores Oberheim e um sequencer emprestados, comecei a criar centenas de "loops" que eu registrava em um gravador de fita, de dois canais, e depois mixava. Quando estas gravações se tornavam "trilhas", eu convidava alguns músicos "de verdade" para adicionarem partes melódicas que eu "cantarolava" para que eles pudessem conhecer e tocar... Na verdade, antes de criar os loops, eu começava criando os "sons" que evocavam, para mim, personagens ou situações do livro "Dune", que eu estava lendo no período... E o processo todo deu forma ao meu primeiro disco: "Visions Of Dune", porque quando eu "compus" o material, eu estava cheio de "imagens" do livro na minha mente... Eu também parei completamente (progressivamente) de escutar músicas de outras pessoas, porque eu estava tão ocupado e obcecado com minha própria criação... Desde os anos 70 eu nunca ouço música alguma, exceto em raras ocasiões, quando alguns amigos me enviam um link, ou quando eu estou andando na rua e passo perto de um rádio... Ah, uma última coisa... Eu disse anteriormente que eu fui "influenciado" por alguns compositores, sim, eu fui, mas de uma forma abstrata porque, incapaz de "imitar", esta influências aconteceu mais num plano "espiritual"...

ASTRONAUTA - Você é pioneiro no uso de lasers para controlar instrumentos musicais, tendo não só projetado a famosa "laser harp" (The Syringe), no final dos anos 70, como também criado outros equipamentos de som e luz. Você poderia nos contar um pouco sobre estas criações, projetos e invenções?

BERNARD SZAJNER - Ah, a inevitável "laser harp"! Eu tive que imaginar outras maneiras de criar música, que não fossem utilizar somente o teclado, para "toca-las" no palco...Vinde de um contexto de "Light-Show", foi relativamente fácil reverter o processo e "gerar sons a partir da luz"... Eu estava voltando de uma tour na Alemanha com o The Who, onde eu havia utilizado lasers para produzir o primeiro show deles utilizando esta tecnologia... Então eu imaginei o instrumento... Alguns anos mais tarde, eu passei a ficar instatisfeito com o PODER atrativo do instrumento, "demasiadamente dramático, demasiadamente espetacular" (as pessoas nem mesmo ouviam a música)... Eu imainei outros instrumentos e destruí minha laser harp... Hoje em dia, eu fico feliz que tenha consiguido me superar, criando uma nova geração de instrumentos que me obrigam a, fisicamente, "brigar" com eles. Eles tem partes que devem ser puxadas, giradas, batidas, acariciadas, seduzidas, etc, para responder e gerar a música... E isto se completa com o fato de que eu criei um "defeito complicado", aleatoriamente, que me obriga a estar constantemente tenso, constantemente desconfortável, a espera de problemas que às vezes surgem e às vezes não surgem... Isso me obriga a ficar "alerta" em cada apresentação... e, finalmente, eu decidi "retomar" minha idéia ambiciosa de estabelecer uma "relação íntima" entre a música e os elementos visuais... Ao contrário de muitos DJs, que buscam criar uma combinação de música e luz "perfeita", através de softwares precisos, se prendendo somente à parte preguiçosa do cérebro, que se satisfaz com uma relação primária entre "tempo" e "iluminação" (um flash automático a cada batida), eu busco por algo muito mais sutil, uma relação que eu nomeei "sincronicidade" ao invés de "sincronização"... muito como na música Indiana (e na música do Magma) onde alguns músicos parecem estar perdidos em diferentes ritmos e direções musicais, mas que a cada 37 compassos, por exemplo, estão "sincados"... Isto cria uma forma de "exaltação" ou de "felicidade"!... Mas eu levei 40 anos para perceber essa relação "espiritual" com a música...

ASTRONAUTA - No início da sua carreira musical, como era criar música de vanguarda na França, o país que deu ao mundo o Pierre Schaeffer e a musique concrète? Você sente, ou sentiu em algum ponto da sua carreira, alguma espécie de peso por ser um artista de vanguard/música eletrônica na França?

BERNARD SZAJNER - Nenhum peso... Eu levo a vida tão a sério, a ponto de tentar fazer tudo ficar muito leve :)... E eu me considero um "compositor" de luzes, imagens, sons, música, dança, movimentos, emoções... um "faz-tudo" e, como dizemos em Francês: "un saltimbanque"... Contudo, isso não me priva de ser leal ao espírito "avant garde", eu mantenho uma relação com o IRCAM, onde eu realizarei uma conferência sobre minha abordagem incomum, minha relação incomum com os instrumentos musicais, no final do ano, seguido de duas apresentações... Uma sozinho e outra com um compositor de "techno"...

ASTRONAUTA - Quais os instrumentos e equipamentos que você utilizou nas duas primeiras gravações? Você ainda possui alguns dos equipamentos que utilizava nos anos 70 e início dos 80?

BERNARD SZAJNER - Primeiro disco: um gravador de fitas de dois canais e sintetizadores emprestados, faz tempo que não tenho mais! Então eu comprei alguns sintetizadores e sequencers, e também um segundo gravador de dois canais, além de um gravador de quatro canais para as mixagens, também faz tempo que não tenho mais... Mais adiante, eu comprei um enorme sintetizador modular (RSF) e um sequencer digital que quase sempre dava problemas. Comprei também um gravador Teac de 16 canais... Então eu parei de fazer música por vinte anos, e dei meur sintetizadores (exceto um PPG, que eu ainda tenho) para uma escola... Quando eu voltei para a música, quase nada tinha sobrado... Mas a tecnologia MIDI havia chegado neste meio tempo, e também os computadores... Me readaptei a este "mundo novo", recomeçando praticamente do zero, com um Mac portátil e um software "Reason"...

ASTRONAUTA - Você lançou tanto discos solo quanto colaborativos entre 1979 e 1983. Daí assinou com a Island Record e, na sequência, em 1986, decidiu colocar sua carreira musical em segundo plano na sua vida. O que fez você tomar esta decisão, e o que fez você decidir retomar a carreira musical, há alguns anos?

BERNARD SZAJNER - Um dia eu percebi que a música que eu estava criando não "significava" nada mais, não tinha alma, era "vazia", apenas notas, uma depois da outra, música sem sentido (bom nome para um disco :)... Eu tinha que parar! Completamente, sem ressentimentos! Foi o que fiz, e parti para outra forma de criação: "artes visuais", que eu sigo criando hoje em dia, apresentando meu trabalho em galerias de arte... Então, um dia, um rapaz que estava organizando um festival de música perto de Paris me disse: "sua música é a que mais frequenta meu toca-discos, e eu estou produzindo meu último festival, e não consigo imaginá-lo sem você participando"... Então, eu decidi que tocaria no "VISIONSOUND", mesmo "enferrujado" e tendo que reinventar tudo de novo... Eu toquei no festival e fui "mordido pelo inseto" novamante. E aqui estou...

ASTRONAUTA - Quais são seus trabalhos mais recentes e planos para o futuro? 

BERNARD SZAJNER - Quando o selo Francês InFiné decidiu que eu deveria ser redescoberto pelas "crianças" e relançou meu primeiro álbum, "Visions Of Dune", eu já havia composto material para mais quatro discos... Eu vou esperar pela InFiné para disponibilizar estas músicas para o público quando eles acharem conveniente... E, enquanto isso, eu toco algumas destas músicas nas apresentações... Eu não sou mais tão jovem (exceto de espírito :) então, para mim, toda e qualquer oportunidade para tocar é tipo um pequeno milagre, e eu adoro todas estas oportunidades... de verdade!... Então, meus planos são continuar gostando de tocar ao vivo, criar mais alguns dos meus "demônios" (meus instrumentos), e continuar compondo músicas e imagens para sempre!

ASTRONAUTA - Muito obrigado, Mr. Szajner. Eu espero encontra-lo algum dia desses, aqui no Brazil! 

BERNARD SZAJNER - Obrigado, Mister Fabricio Pinguim, eu espero que seu desejo se concretize... Eu adoraria encontra-lo "ao vivo" e tocar (quem sabe com você) no Brazil!

www.szajner.net



1 comment:

  1. Que maravilha de entrevista. Sensacional. Esperamos um dia ver o Sr.Szajner aqui no Brasil !

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