Nascido no dia 30 de março de 1935 em Bryn Mawr (Pennsylvania, EUA), o compositor John Eaton iniciou sua trajetória na música assistindo ao irmão mais velho praticar ao piano, quando ainda era criança. Passou a ter aulas de piano e com apenas nove anos de idade realizou seu primeiro concerto, tocando sonatas de Beethoven. Em 1957, aos 22 anos de idade, se formou em música pela Princeton University. Em 1959 mudou-se para Roma (Italia), cidade onde morou nos anos seguintes e também onde começou uma duradora parceria com o clarinetista Bill Smith, com quem montou uma banda, gravou dois discos e fez várias apresentações pela Europa e Estados Unidos. Foi em Roma também que John conheceu o engenheiro eletrônico Paul Ketoff, inventor do famoso e lendário Syn-Ket, em 1964. Com o Syn-Ket, John Eaton realizou mais de mil apresentações pelo mundo todo e foi justamente antes de uma destas apresentações, em 1966 na Columbia University, que ele conheceu Robert Moog, que além de consertar seu Syn-Ket avariado durante um vôo construiu um sintetizador Moog especialmente para Eaton! A parceria de John Eaton e Robert Moog ainda rendeu o Eaton-Moog Multiple Touch-sensitive Keyboard (que John explica de forma resumida na entrevista abaixo).
Conheci o trabalho de John Eaton recentemente, durante minhas pesquisas sobre os pioneiros da música eletrônica, e então procurei por seu contato e enviei-lhe um email perguntando sobre a possibilidade de uma entrevista. Ele não só aceitou meu convite como também foi muito rápido e simpático ao me responder! Segue abaixo a entrevista com o grande John Eaton!
ASTRONAUTA - Como surgiu a música na sua vida? E quando você passou a ter interesse pela música eletrônica?
JOHN - Comecei a compor quando eu era muito jovem - antes de tocar qualquer instrumento, na verdade. Foi durante a depressão. Meu irmão mais velho estava tendo aulas de piano. Eu ficava vendo ele praticar e aprendi as notas observando ele tocar sua música. Eu escrevi três (provavelmente terríveis) sonatas para piano e então meus pais decidiram que poderiam me proporcionar aulas de piano em seguida! Eu toquei em um concerto, num resort em Buck Hill Falls quando eu tinha 9 anos, tocando as quatro sonatas para piano de Beethoven mais conhecidas. Então, eu decidi parar de estudar e começei a tocar jazz. Mas o tempo todo eu continuei compondo.
A primeira vez que me interessei pela música eletrônica foi quando eu era estudante na Universidade de Princeton e tive aulas com Milton Babbitt, Edward Toner Cone, Kim Earl e, principalmente, Roger Sessions. Mas, eu sempre fui desajeitado para lidar com as fitas no estúdio.
ASTRONAUTA - O músico de jazz Bill Smith foi um grande amigo seu e também uma das primeiras pessoas que você conheceu quando você mudou para a Itália no final dos anos 50/início dos anos 60. Você poderia nos contar um pouco sobre o período que jogou com ele? Existe alguma gravação, filme ou fotografia deste período?
JOHN - Bill (William O. Smith) era um magnífico clarinetista de jazz e música clássica - o melhor na minha opinião! Tínhamos um conjunto em Roma, que excursionou pela Europa e pelos EUA fazendo concertos de música contemporânea, jazz e, especialmente, ambos no mesmo programa. Nos conhecemos no outono de 1960 e imediatamente começamos a nos apresentar, tocando composições próprias, jazz e outras músicas pela Itália e em seguida para a Columbia Artists, nos EUA. Gravamos 2 álbuns de jazz, um para a RCA Victor, "New Sounds: Old World", com Erich Peter e Pierre Favre, e um para a Epic, "New dimensions", com Richard Davis e Paul Motion. Além disso, eu tinha feito dois outros anteriores, em meados da década de 1950 para a Columbia, "College Jazz: Modern", com um grupo de alunos da graduação de Princeton, e outro para a Epic, "Far Out: Near In", com Herbie Mann, Prince
Bob, e outros.
ASTRONAUTA - Como você conheceu Paul Ketoff e qual foi sua contribuição no desenvolvimento do Syn-ket? Que tipo de características especiais você pediu para Ketoff fazer no Synket, para torná-lo um instrumento para palco e não apennas para estúdio? Por algum tempo você usou tanto o Synket quanto o sintetizador Moog em suas apresentações. Quais eram as principais diferenças entre os dois instrumentos?
JOHN - Eu conheci Paul Ketoff em 1960 (creio eu), quando o compositor residente da American Academy - Otto Luening - e um grupo de amigos interessados em música eletrônica, George Wilson Balch, William O. Smith e eu, pedimos a ele que construisse para nós um pequeno e tradicional estúdio de fita. E ele apareceu numa tarde com o Syn-Ket. Eu imediatamente exclamei: "Mas Paul, isto não é apenas um aglomerado de componentes de um estúdio de fita tradicional, isto é um instrumento!". Então eu imediatamente começei a escrever peças curtas que poderiam ser tocadas naquilo, sem qualquer coisa pré-gravada e pedi a ele que construisse um outro Synket para mim, modificando algumas coisas para uma melhor utilização como instrumento. Por sugestão minha ele modificou os três teclados para que eles respondessem à velocidade - como um piano - e movimentassem lateralmente também, como o "bisbigliando" de um clavicórdio. Ao longo dos próximos anos ele acrescentou um pedal de volume geral, um gerador de ruído branco ou rosa, alguns recursos alternativos, uma unidade de reverber de mola e várias outras possibilidades de modulação. (Devo acrescentar rapidamente que eu tenho pouquissimo conhecimento técnico de eletrônica e todos os projetos eram inteiramente invenções de Paul).
Até onde eu sei, após alguns poucos ensaios meus com o Syn-Ket, fiz a primeira apresentação ao vivo de uma peça - sem manipulações de estúdio de gravação ou fita pré-gravada - para um sintetizador de som eletrônico moderno, quero dizer, com voltagem controlada: minha música "Songs for RPB". A apresentação foi na Villa Aurelia, da Academia Americana, e teve participação do notável cantor Miciko Hirayama, além da pianista Jane Schoonover Smith e eu. Os dois artistas que se apresentaram com o Syn-Ket foram Paul Ketoff e Otto Luening naquela ocasião.
Aqui está uma foto de Paul e eu apresentando o Syn-Ket para um grupo de "illuminati" musical italianos, acredito que em 1963 ou 1964:
Entre esta época e 1970, vivi basicamente como como um trovador eletrônico, fazendo cerca de 1.000 concertos com o Syn-Ket e um sintetizador Moog especial que Bob fez para mim (leia mais sobre isso abaixo) na maioria dos países europeus e do continente americano, e em eventos como Festival de Veneza, a Ópera de Hamburgo e o Nord Deutscher Rundfunk, Tanglewood, o Los Angeles Philarmonic e em muitas faculdades principais nos EUA e também fiz uma turnê russa, financiada pela Sociedade dos Compositores Soviéticos. Eu gravei dois álbuns para a gravadora Decca norte-americana, onde utilizei os dois sintetizadores: "Microtonal Fantasy" e "Electro-Vibrations". Parte do material gravado está disponível em um CD lançado pela Electronic Music Foundation, chamado "First Performances". No CD também foram inlcuidas duas improvisações curtas com o Syn-Ket e uma base de banda de rock: "Blues Machine" e "Bone Dry". Alguém me disse que estas duas músicas foram as primeiras utilizações de um synthesiaer moderno no Rock.
Há uma foto minha com a Syn-Ket, que apareceu na revista Time em 1968, no livro que acompanha este CD.
ASTRONAUTA - Como você conheceu Robert Moog e como você vê o legado de Bob para o mundo da música?
JOHN - Eu conheci Bob Moog em 1966, numa tour pelos EUA com o Syn-Ket. Eu tinha um show na Universidade de Columbia. Durante o vôo, alguma peça do Syn-Ket soltou. Eu normalmente conseguia resolver os problemas mais rotineiros mas este era mais grave. Liguei para um amigo meu de Roma, que se tinha se estabelecido nos EUA e estava ensinando em Albany, Joel Chadabe. Ele me disse que a única pessoa que ele sabia que poderia consertar o Syn-Ket era Bob Moog, que na época morava em Trumansburg, no centro do estado de Nova York. Carreguei o Syn-Ket no meu Cadillac amarelo de 1956, e parti para Appalachia!
Bob, uma das pessoas mais generosas que já conheci. Encontrei-me com ele ao meio-dia e ele ficou fascinado com a Syn-Ket e trabalhou nele durante toda a noite. No final, ele estava em perfeito, em estado de novo!
Durante a noite, começamos uma conversa que mudou a minha vida. No início da música eletrônica, o elemento que eu mais sentia falta era o aspecto humano. Eu acreditava que só existiria se os compositores tivessem mais controle sobre os vários aspectos da música eletrônica. Perguntei a Bob se ele poderia projetar um teclado que permitesse um maior controle sobre todos os aspectos musicais. Então sugeri que cada tecla tivesse quatro tipos de sensibilidades diferentes, derivados de instrumentos de teclas e instrumentos de cordas: 1) a quantidade relativa à força quando uma tecla é tocada; 2) a sensibilidade ao mover a superficie da tecla para frente e para trás; 3) a sensibilidade ao mover uma tecla para os lados; 4) a quantidade de pressão adicionada à uma tecla completamente acionada. (Mais tarde, Bob adicionou a sensibilidade à quantidade de área de um dedo sobre a superfície de uma tecla). Estas sensibilidades deveriam ser aplicadas à qualquer aspecto (parâmetro) da música disponibilizada por um computador dedicado. Uma placa sensível ao toque maior, ao lado do teclado, poderia tornar os eixos X, Y e Z de cada tecla aplicáveis ao controle geral da continuidade musical. Bancos de pedais de dupla ação aplicados a cada teclado também poderiam controlar mais os aspectos da música. É evidente que você não teria que utilizar todas as sensibilidades de uma só vez. E você deveria ser capaz de mudar a forma como o sistema funciona instantaneamente. Naquela mesma noite naceu o teclado Eaton-Moog de toque múltiplo sensível.
Durante a noite, começamos uma conversa que mudou a minha vida. No início da música eletrônica, o elemento que eu mais sentia falta era o aspecto humano. Eu acreditava que só existiria se os compositores tivessem mais controle sobre os vários aspectos da música eletrônica. Perguntei a Bob se ele poderia projetar um teclado que permitesse um maior controle sobre todos os aspectos musicais. Então sugeri que cada tecla tivesse quatro tipos de sensibilidades diferentes, derivados de instrumentos de teclas e instrumentos de cordas: 1) a quantidade relativa à força quando uma tecla é tocada; 2) a sensibilidade ao mover a superficie da tecla para frente e para trás; 3) a sensibilidade ao mover uma tecla para os lados; 4) a quantidade de pressão adicionada à uma tecla completamente acionada. (Mais tarde, Bob adicionou a sensibilidade à quantidade de área de um dedo sobre a superfície de uma tecla). Estas sensibilidades deveriam ser aplicadas à qualquer aspecto (parâmetro) da música disponibilizada por um computador dedicado. Uma placa sensível ao toque maior, ao lado do teclado, poderia tornar os eixos X, Y e Z de cada tecla aplicáveis ao controle geral da continuidade musical. Bancos de pedais de dupla ação aplicados a cada teclado também poderiam controlar mais os aspectos da música. É evidente que você não teria que utilizar todas as sensibilidades de uma só vez. E você deveria ser capaz de mudar a forma como o sistema funciona instantaneamente. Naquela mesma noite naceu o teclado Eaton-Moog de toque múltiplo sensível.
Mas com todas as mudanças na miniaturização - na sua maioria provenientes do programa espacial - levou cerca de 25 anos até que um instrumento assim fosse produzido. Tivemos a ajuda de uma doação da Universidade de Indiana, logo depois que eu entrei para aquela faculdade, em 1970, que mais tarde foi recebida pela Universidade de Chicago, para onde fui em 1991. Bob construiu muitas versões de uma tecla com estas características e, em seguida, um teclado de uma oitava. Eu utilizei este teclado em 1991, na Mandel Hall da Universidade de Chicago, e também na Conferência Nacional de Críticos de Música, onde o minha peça "Genesis" foi televisionada. Uma parte deste concerto foi mostrada como em um noticiário da CNN em 1992.
Neste meio tempo, para aprimorar minhas atividades musicais, ele me deu uma unidade que consistia em um par de sequenciadores e algumas unidades para produzir e modificar o som. Isto pode ser ouvido no CD "First Performances", particularmente mas faixas "Duet" e "Blind Man's Cry".
O legado de Bob para o mundo da música é incrivelmente forte e profundo. Ele deu ao mundo da música instrumentos verdadeiramente viáveis para a execução ao vivo de música eletrônica. Ele - e Paul Ketoff - queriam dar aos músicos de todos os tipos o que eles precisavam - e não simplesmente ganhar dinheiro. Eles são luzes nobres no mundo muitas vezes vezes sórdido da música.
ASTRONAUTA - Por favor, conte-nos sobre as seu trabalho com óperas e sobre o projeto Pocket Opera Players. Você ainda se apresenta ao vivo? Você tem planos para lançar (ou re-release) seu material gravado?
JOHN - O projeto Pocket Opera Players foi fundado em 1991 com uma apresentação do New York New Music Ensemble, que manteve os mesmos músicos por cerca de 15 anos. Mesmo com meu site um pouco desatualizado, há muita informação sobre isso lá: www.pocketoperaplayers.org
Basicamente, os instrumentistas estão sempre envolvidos nas nossas performances como personagens de minhas óperas - eles agem, falam, cantam de modo não-operístico, e até mesmo fazem acrobacias enquanto tocam seus instrumentos. Nós usamos projeções e adereços, cenários baratos; peças de fantasias e não fantasias completas. Nossas pocket-operas costumam ter um pequeno grupo de cantores nos papéis principais. Mas nós também fazemos "Brincadeiras para instrumentistas", outra forma de ópera de bolso na qual os músicos representam todos os personagens.
Eu escrevi mais de uma dúzia destas óperas de bolso. Em breve um DVD de "O Curioso caso de Benjamin Button", nossa mais recente apresentação, estará disponível comercialmente pela Albany Records.
Assim que o projeto estiver concluído, sob a orientação do primeiro professor de Bob Moog em Columbia, pretendo realizar apresentações minhas novamente, usando o teclado Eaton-Moog de múltiplo toque sensível. Eu gostaria de relançar minhas primeiras gravações em CD.
No comments:
Post a Comment