Monday, July 09, 2012

Entrevista com Manuel Göttsching

Manuel Göttshing (foto: Sven Marquardt,  2006)
© MG.ART


Ash Ra Tempel, 1970 (esquerda para a direita: Klaus Schulze,
Manuel Göttsching e Hartmut Enke)
© MG.ART
Manuel Göttsching nasceu em Berlin no dia 9 de setembro de 1952. Começou seus estudos de violão clássico quando era ainda criança e aos 15 anos de idade resolveu ser baterista, quando formou sua primeira banda - The Bomb Proofs - com o colega de classe Hartmut Enke. Acabou virando o cantor da banda. Foi também com Hartmut que Manuel estudou improvisação com o compositor suíço Thomas Kessler e foi justamente no estúdio do compositor que os dois conheceram o baterista Klaus Schulze, que recém estava deixando o Tangerine Dream, sua banda anterior. O trio resolveu então juntar-se e formar uma nova banda: Ash Ra Tempel. Schulze saiu da banda um ano depois, partindo para a carreira solo e, a partir daí, a dupla Manuel e Hartmut contou com diversos bateristas convidados nas suas gravações. Hartmut saiu em 1973 e Manuel passou a alternar entre discos solo executados e produzidos totalmente por ele no seu Studio Roma e discos gravados com Lutz Ulbricht (ex-Agitation Free) na guitarra e nos teclados e o baterista Harald Grosskopf (que já havia participado do disco "Ash Ra Tempel Starring Rosi", em 1973), abreviando o nome da banda de Ash Ra Tempel para apenas AshRa.


Figura de cera de Manuel com seus
álbuns no Tokyo Tower Museum
© MG.ART
Entre álbuns solo, discos gravados com as várias formações que o Ash Ra Tempel (apenas AshRa a partir de 1977) e colaborações em alguns discos de outros artistas, Manuel tem mais de 60 títulos na sua vasta discografia (confira no site oficial dele, http://www.ashra.com/disco/welcome.htm). Mantém desde 2002 o próprio selo, MG.ART, responsável pelos lançamentos de seus trabalhos mais recentes e pelos relançamentos de vários títulos lançados originalmente nos anos 70 e que agora saem no mercado em CD's remasterizados pelo próprio Manuel - alguns deles com bônus tracks e material inédito!!!! Em 2003 fundou a produtora cinematográfica CV Films - empresa que mantém em parceria com a esposa e diretora de cinema Ilona Ziok - e divide seu tempo entre a produção de filmes e os constantes shows pelo mundo todo (a próxima apresentação será no dia 11 de agosto no Japão - país onde ele tem um contingente enorme de fãs - apresentando seu famoso disco "E2-E4" na íntegra, em um show beneficiente às vitimas do Tsunami e do acidente em Fukushima no ano passado). No dia 8 de setembro - um dia antes de completar 60 anos de idade - Manuel se apresetará com o lendário Joshua Light em Varsóvia (Polônia), no Copernicus Center.


Contatei o Manuel através do Facebook no ano passado e ele sempre foi muito gentil e atencioso! E não só ele, mas também sua esposa Ilona Ziok, a quem agradeço muito por ter me enviado a entrevista com o Manuel por email! Espero que o público brasileiro tenha a oportunidade de assitir ao Manuel Göttsching em breve, seja em apresentação solo ou seja com o AshRa (banda que conta com o Harald Grosskpf na bateria - também amigo meu e entrevistado por mim em fevereiro passado - e Steve Baltes nos teclados e aparatos eletrônicos).


Tour solo na França, 1976 (foto: Klaus D. Muller)
© MG.ART

ASTRONAUTA - Como foi seu primeiro contato com a música e como você se tornou músico profissional?

MANUEL - Na casa onde eu vivia quando era criança havia um piano que me chamava a atenção e eu queria tocá-lo. Como as minhas primeiras tentativas infantis eram basicamente ruidos não-musicais e eram muito altas para os ouvidos bem-educados dos adultos, fui proibido de tocá-lo. Mas eu não desisti da idéia e um dia eu encontrei um velho violão do meu avô e passei a gostar do som do violão. Alguns anos depois eu tive a chance de aprender a tocar violão clássico. Eu encontrei uma professora maravilhosa na Sra. Scheibitz, de quem eu gostava e respeitava muito. Ela me deu um conhecimento valioso e profundo do instrumento em suas aulas durante os seis anos seguintes.

ASTRONAUTA - E como foi o início do Ash Ra Tempel, como você conheceu Hartmut Enke e Klaus Schulze - seus companheiros de banda nos primeiros dias - e Conny Plank - o engenheiro de gravação do seu primeiro álbum?

MANUEL - Hartmut Enke e eu eramos colegas de classe e no aniversário de 15 anos de Hartmut decidimos começar a nossa primeira banda chamada "The Bomb Proofs", só por diversão. Na verdade eu queria ser o baterista da banda, mas acabei virando o cantor :-) Nós tocavamos músicas famosas da época e fizemos alguns shows encantadores, mas logo ficamos entediados com isso e resolvemos criar a nossa própria música. Um ano depois nós começamos nossa próxima banda "Bad Joe", de música experimental livre, e muito logo em seguida nós tivemos a chance de trabalhar com o famoso compositor suíço avant-garde Thomas Kessler no seu novo projeto, que foi chamado Beat Studio, em um bairro de Berlim, Wilmersdorf - para estudarmos nossas improvisações, agora com a ajuda de um compositor experiente. Não eramos somente nós que aprendíamos a improvisar neste lugar, mas alguns grupos de Berlim, como o Agitation Free e o Tangerine Dream, também ensaiavam lá. Um dia Klaus Schulze, o baterista do Tangerine Dream, que havia acabado de deixar a banda, se juntou a nós com a proposta de começarmos uma banda juntos. Assim surgiu o Ash Ra Tempel. Foi Hartmut Enke que criou este nome, cada palavra de acordo com sua filosofia. Nós três tocamos juntos por 1 ano. O resultado foi o primeiro álbum do Ash Ra Tempel, com o mesmo título, finalmente gravado em Hamburgo pelo famoso Conny Plank - o nosso primeiro e único colaborador. Não havia outro engenheiro que pudesse entender melhor a nossa música naquele momento. Em 1971 Schulze partiu para a carreira solo e Hartmut e eu continuamos, gravando o proximo disco - SCHWINGUNGEN - com alguns músicos convidados no estúdio Dierks, perto de Cologne. E sem percebermos nós nos tornamos uma banda profissional...

ASTRONAUTA - E quanto a Conrad Schnitzler e os shows que você tocou com o Eruption, projeto de Schnitzler?

MANUEL - Conny era um grande músico e compositor. Eu o conheci em 1970 e comprei o sua velha van VW, que logo se tornaria o lendário ônibus do Ash Ra Tempel. O Eruption do Conny Schnitzler foi um de seus próximos projetos logo depois do Kluster e eu joguei dois dos primeiros shows do Eruption, no final de 1970. Nós sempre mantivemos em um contato amigável ao longo dos anos. Eu sou muito triste por  nunca ter acontecido de tocarmos juntos de novo, e o Conny também disse em uma entrevista a um jornal alemão - um pouco antes de sua morte - que uma das coisas que ele lamenta não ter feito é ter se apresentado novamente comigo : -)

ASTRONAUTA - No verão de 1972 o Ash Ra Tempel gravou o álbum "Seven Up", com a participação do escritor Timothy Leary e muitos outros convidados. 

MANUEL - Desculpe interrompê-lo, mas Tim Leary não era realmente um escritor, e sim um professor de neurologia em Harvard que fazia experiências com LSD, e por isso ele tinha que escrever :-)

ASTRONAUTA - Como foi esse encontro e como foi a gravação deste álbum?

MANUEL - Hartmut ficou sabendo que Timothy Leary estava fugindo da CIA e acabou parando na Suíça. Isso aconteceu porque Timothy Leary havia escapado da prisão nos EUA, onde ele foi condenado a 10 anos por causa de uma quantidade ridículamente pequena de maconha, porque Nixon, o então presidente dos EUA, havia acusado ele como o Inimigo número 1 dos Estados Unidos, por conta das suas pesquisas sobre o LSD. Tim Leary estava interessado na música como uma espécie de ilustração para a sua teoria dos "Sete Níveis de Consciência", título do livro que estava escrevendo. Hartmut foi para a Suíça para encontrá-lo - e depois de ouvir SCHWINGUNGEN Tim alegremente concordou em colaborar conosco. Reunimos alguns amigos e músicos da Alemanha e da Suíça em uma fazenda nas montanhas suíças, ensaiamos lá e finalmente gravamos o álbum SEVEN UP no Estúdio Sinus em Bern (Suíça), que mais tarde foi mixado no estúdio Dierks, perto de Cologne, onde já haviamos gravado o SCHWINGUNGEN. Este foi o álbum do terceira Ash Ra Tempel. Tivemos um ótimo periodo na Suíça, Tim era muito enérgico, ele mesmo começou a cantar nas gravações, e até hoje parece um milagre que tudo aquilo tenha acontecido de verdade.

ASTRONAUTA - Você comentou outro dia, em uma mensagem no Facebook, que sua esposa Ilona Ziok está dirigindo um documentário sobre o disco "Seven Up". Já existe uma data para finalizar e lançar este filme?

MANUEL - É verdade. Ela está realmente procurando todas as garotas e rapazes que se juntaram a Hartmut e a mim (Ash Ra Tempel) para a sessão com Leary e também está tentando captar o dinheiro para financiar este projecto, bem como uma estação de TV - e isso vai funcionar, com certeza, já que ela fez alguns filmes de muito sucesso no passado, então as pessoas na indústria do cinema a conhecem bem e existe um grande interesse neste projeto.

ASTRONAUTA - Você usou alguns sintetizadores Moog (e muitos outros sintetizadores analógicos) durante a sua carreira. Há um vídeo no youtube onde você fala um pouco sobre os Moogs que você tocou nos seus álbuns. Você ainda tem algum desses Moogs ou outros sintetizadores analógicos que você usou para gravar nos anos 70 e 80? Você ainda usa sintetizadores analógicos em gravações ou performances ao vivo? Existe algum sintetizador analógico preferido para você?

Manuel Göttsching e Joshua Light no
transmediale festival, Berlin (foto: Keiko Yoshida, 2012)
© MG.ART
MANUEL - Eu fiz recentemente um show em Berlim juntamente com o Joshua Light Show - foi em 04 de fevereiro de 2012 - sendo o destaque do festival de música Transmediale, em um local conhecido na nossa capital, onde eu já havia tocado em 1979 a música "Big Birds", em um evento de moda, com vários sintetizadores analógicos. Eu tenho tocado novamente com alguns dos meus equipamentos antigo, meu velho Minimoog e o meu amado Farfisa Synthorchestra, o que eu usei no meu álbum "New Age Of Earth". Eu realmente gostei de tocar com estes instrumentos novamente, depois de tanto tempo. Eles precisam de alguma manutenção e peças de reposição de tempos em tempos, mas eles ainda estão funcionando muito bem. Mas eu também amo a nova tecnologia, eu toco com Ableton, utilizando vários plug-ins "retro", como o EMS Synthi A, o ARP Odyssey, órgãos Farfisa. Eu também sampleei minha velha EKO Rhythm Computer (bateria eletrônica).
No entanto, é a guitarra que continua a ser o meu instrumento "analógico" favorito :-)

ASTRONAUTA - Em outubro de 2011 eu tive o prazer de conhecer o diretor de filmes Andrew Horn em um festival em Belo Horizonte, Brasil. Neste festival também assisti "The Nomi Song", filme de Andrew sobre Klaus Nomi e descobri que este filme foi realizado pela CV Films (sua produtora) e que você e Ilona são os produtores. Então eu pesquisei na internet e encontrei outros filmes também produzidos por você! Como você encontra tempo para manter sua carreira cinematográfica e a carreira musical ao mesmo tempo?

MANUEL - A profissão da minha esposa Ilona Ziok é diretora de cinema, mas também escritora e produtora de filmes. E porque ela está sempre me ajudando quando eu preciso dela, eu também comecei a ajudá-la, não apenas fornecendo minha música para seus filmes, mas também produzindo-os enquanto ela está dirigindo. A CV Films foi fundada como nosso negócio de família, que também tem nosso selo MG.ART - dirigido por nossa filha :-).

ASTRONAUTA - Quais são seus planos os próximos filmes?

MANUEL - Existem alguns projetos interessantes que estamos desenvolvendo - todos documentários ou filmes de música. Por exemplo, Alex Snelling, um cineasta premiado pela BBC, nos propôs fazer um filme de arte sobre meu "E2-E4". Ilona acha que é uma idéia brilhante e ela já sugeriu Alex um título para o filme - ela é muito boa nisso - que é "E2-E4-Eternity" (ela até já criou uma camiseta com isto :-)). E Richard England, um famoso produtor do Reino Unido (como por exemplo do filme sobre os Sex Pistols), propôs fazermos um filme biográfico sobre mim - e aqui novamente Ilona sugeriu o conceito e o título: "From Berlim with Love - yours, Manuel Göttsching"o que significa que meu trabalho e vida para a música refletirá a cultura de Berlim nos últimos 40 anos, e fazê-lo Berlim vai dizer sobre mim :-). Então vamos ver qual dos dois filmes vai acontecer. Ilona acha que ambos faria sentido :-).
E sobre os outros assuntos que estamos trabalhando, tratam-se de personalidades esquecidas, importantes para a história alemã, como o mais famoso arqueólogo do Sudão, o Sr. Hinkel, ou o compositor Werner Richard Heyman - mas a intenção é fazermos este filme mais como uma peça para palco de teatro - mais artístico do que ser documental. Werner Richard Heyman foi o único que fez das canções para filmes parte de sua música e muitas canções alemãs dos anos 30 na verdade originam-se dos filmes em que ele escreveu a música, mas ele também é o compositor de filmes famosos de Hollywood como "To be or not to be "ou" Ninotchka".

ASTRONAUTA - Vários álbuns do Ash Ra Tempel foram remasterizados e relançados recentemente, bem como seus álbuns solo "Inventions for electric guitar" (gravado em 1974 e lançado em 1975) e "E2-E4" (gravado em 1981 e lançado em 1984). Existe alguma possibilidade de relançamento de mais álbuns seus?

MANUEL - Meu selo MG.ART também re-lançou o álbum do AshRa "Belle Alliance Plus" - um álbum duplo -, que além do álbum original da Virgin contém material bônus no segundo CD. E também há o "Correlations Complete", um box com 5 CDs: o CD 1 é o disco original da Virgin, mixado pelo famoso produtor do reino unido Mick Glossop, o CD 2 é a primeira mixagem, nunca antes lançada, feita por Udo Arndt e por mim, os CD 3 a 5 são o "Making Of" do disco, ou seja, nossos ensaios no lendário ufaFabrik (www.ufafabrik.de), o local onde nasceram os filmes alemães da década de 1920 e onde Goebbels produziu o seu horroroso material de propaganda, nos anos 1930/1940. Hoje este local histórico é um importante centro cultural, que começou em 1979, quando foi ocupado pelos jovens.
Quanto a outras reedições, a próxima será o meu álbum solo "Dream and Desire", de 1977. No Japão será re-lançado em julho e no resto do mundo no outono. Porém, enquanto os japoneses preferem o original, a edição para o resto do mundo será um CD duplo, porque eu descobri uma faixa adicional que pertence ao disco :-) E eu também irei escrever um pouco sobre sua história.
E, claro, os re-lançamentos de "Blackouts" e "New Age Of Earth" acontecerão em breve. - Todos os relançamentos são re-masterizado por mim, mas não reformulados ou PIMPED como se eles fossem feitos com a tecnologia de hoje.

AshRA (Steve Baltes, Manuel Göttsching e
Harald Grosskopf)
© MG.ART
ASTRONAUTA - E material novo, existe alguma possibilidade de termos um novo álbum do AshRa, agora com você, Lutz Ulbrich, Harald Grosskopf e Steve Baltes?

MANUEL - Lutz Ulbrich não está mais com o AshRa, o último show que fizemos com ele foi em 2000. Desde então, toco apenas com Harald e Steve. Nós fizemos um grande show no Japão, no Verão de 2008, e somente agora tocamos de novo em Berlim, no ufaFabrik. Claro que eu quero lançar as gravações destes concertos em um futuro próximo, mas eu também estou trabalhando em algum material novo do AshRa.
Primeiramente - o próximo lançamento será um CD/DVD do meu concerto solo recente, com o Joshua Light Show no Festival Transmediale de Berlim, em fevereiro de 2012 (aqui você poderá ouvir alguma coisa com o velho Minimoog e o Farfisa Synthorchestra :-)). Para alguns vídeos de fãs confira aqui:

ASTRONAUTA - E quanto a shows ao vivo no Brasil e América do Sul, existe alguma possibilidade?

Manuel Göttsching tocando com
Steve Hillage, Eliott Sharp e
Zhang Shou Wang
no show INVENTIONS FOR ELECTRIC
GUITAR no Monte Fuji, Japão, 2012
© MG.ART
MANUEL - O produtor brasileiro Alain Patrick me convidou ir a São Paulo, para uma apresentação solo da minha composição "E2-E4", mas pode ser que um dia também podemos tocar lá com o AshRa - quem sabe. Seria ótimo!
Na verdade, eu também pretendo mostrar um filme para o qual eu fiz a música nos anos 70 como Ash Ra Tempel: "Le Berceau de Cristal", do cineasta francês premiado internacionalmente Philippe Garrel, estrelado por Anita Pallenberng, Dominique Sanda e Nico, a cantora do Velvet Underground - as musas dos anos 60/70 - combinando com um concerto e, claro, espero a executar novamente "Inventions for electric guitar", com um line-up original de quatro guitarristas, como eu fiz no Japão em 2010 pela primeira vez com Elliott Sharp, uma figura central na música avant-garde e na cena de música experimental de NY, Steve Hillage de Londres (ex-membro do Gong e hoje no System 7), e Zhang Wang Shou, de Pequim (membro das bandas chinesas Carsick Cars e White , que também toca com o Sonic Youth).








Tour solo na França, 1976 (foto: Klaus D. Muller)
© MG.ART

No comments:

Post a Comment