Monday, March 12, 2012

Cinco perguntas para Jean Jacques Perrey


Jean Jacques Perrey nasceu em 20 de janeiro de 1929, numa pequena cidade localizada no norte da França. Aos 4 anos de idade, no natal de 1933, o Papai Noel lhe trouxe seu primeiro acordeon e, a partir daí, foi possuído pelo “demoniozinho da música”, como ele mesmo diz. Em 1952, enquanto cursava a faculdade de medicina em Paris, conheceu Georges Jenny, inventor de um instrumento musical inovador chamado “ondioline”. Este contato com Georges Jenny foi somente o primeiro de uma série de encontros com personalidades que passaram pela vida de Jean Jacques Perrey e que, de alguma forma, marcaram toda a sua carreira. Por conta de seu enorme talento ao executar o “ondioline”, acabou sendo convidado pela famosa cantora Edith Piaf para acompanhá-la nos shows shows, como músico, por cerca de um ano. Edith Piaf não só financiou algumas das primeiras gravações de Perrey como o colocou em contato com o empresário norte-americano Carroll Bratman, o que levou o músico a desembarcar na cidade de Nova Iorque, em março de 1960, carregando apenas uma pequena mala de roupas e o seu inseparável “ondioline”.

Carroll Bratman foi quem, além de ajudar Jean Jacques Perrey com toda a documentação necessária para trabalhar nos Estados Unidos, montou para ele seu primeiro laboratório/estúdio de gravação, com vários gravadores e todos os teclados eletrônicos disponíveis até então. E foi neste estúdio que, em 1961, Perrey teve a brilhante idéia de utilizar elementos da “musique concrète” (cujas teorias foram desenvolvidas por Pierre Shaeffer nos anos 40), porém incorporando um elemento até então inexistente e mesmo impensável dentro da visão de Shaeffer: o humor. Com isso Perrey não só deu uma nova vida à “musique concrète” como a introduziu no universo da música pop!


Nos anos seguintes gravou discos e jingles para programas de radio e TV com diversos parceiros, entre eles Harry Breuer (com quem lançou o disco “The Happy Moog”, em 1969), Angelo Badale (hoje conhecido como Angelo Badalamenti, compositor de trilhas sonoras, com quem Perrey compôs a clássica faixa instrumental “Visa to the stars”) e, lógico, Gershon Kingsley. A dupla Perrey-Kingsley gravou dois discos pelo selo novaiorquino Vanguart Record Company, “The in sound from way out” (de 1966, no qual a dupla utilizou a técnica de corte e colagem de fitas magnéticas desenvolvida por Perrey, além do “ondioline”, para criar seus sons espaciais) e “Kaleidoscope Vibrations: spotlight on the Moog” (de 1967, onde os dois agregaram o sintetizador Moog ao “ondioline” para criar suas músicas). Depois da dissolução da dupla, Perrey ainda gravou mais dois discos de igual ou maior impacto pela Vanguard, “The amazing new electronic pop sound of Jean Jacques Perrey” (1969) e “Moog Indigo” (1970), disco que contém a faixa “E.V.A.”, um dos temas mais sampleados por artistas dos mais variados estilo musicais.


Em 1970, por razões familiares, Jean Jacques Perrey voltou a morar em Paris, onde continuou gravando tanto seus discos (sempre com o espírito inovador e bem-humorado dos trabalhos anteriores) quanto trilhas de filmes e programas de radio e tv. Hoje em dia, Jean Jacques Perrey reside na Suíça e foi de lá que ele prontamente atendeu, por email, meu pedido para esta entrevista, o que me deixou muito feliz e muito agradecido. Meus agradecimentos se extendem também a duas pessoas em especial, que me possibilitaram este contato com o grande Jean Jacques Perrey: sua queridíssima filha Patricia Leroy e Dana Countryman, autor da biografia “Passport to the future: the amazing life and music of electronic pop music pioneer Jean Jacques Perrey”, além de parceiro do Perrey em vários discos e shows. Como sempre digo, é muito bom quando nossos ídolos, gênios e super-heróis demonstram ser figuras humanas formidáveis, agradáveis e dispostas a dividir um pouco dos seus conhecimentos e trajetória. E é isto, com a palavra Jean Jacques Perrey, cidadão do mundo (francês por nascimento, novaiorquino por “atração magnetica” e, mais recentemente, suiço por residência)!


ASTRONAUTA - Antes de decidir que seguiria a carreira musical, você estudou medicina, é isso mesmo? Naquela época, você chegou a exercer a medicina? Como esses estudos influenciaram sua música?

JEAN JACQUES PERREY - Sim, isso mesmo. Eu comecei a estudar medicina (entre 1947 e 1951) em Paris, porque eu queria ajudar as pessoas e também porque meus pais queriam que eu tivesse "uma boa profissão" (eles realmente ficaram surpresos quando eu disse que estava trocando a medicina pela música!).
No início estes estudos médicos não influenciaram na minha música. Foi somente no final dos anos cinqüenta, quando eu me interessei pelo funcionamento do sono e compus um disco para ajudar as pessoas a adormecer que a medicina e a música ligaram-se.


ASTRONAUTA - Você é creditado como o músico responsável pela primeira gravação de um Ondioline (em 1951, na música "L'âme des Poètes", de Charles Trenet). Como foi essa gravação? E como foi seu contato com Georges Jenny (inventor do Ondioline) e sua participação na invenção e desenvolvimento deste instrumento?

JEAN JACQUES PERREY - Eu abandonei a medicina quando eu ouvi, em 1951, Georges Jenny falar sobre o instrumento que ele tinha acabado de inventar: o Ondioline. Imediatamente tive a sensação de que eu queria tocar aquele instrumento. Entrei em contato e pedi para ele me demonstrar os conceitos básicos do uso do Ondioline. Em seguida ele concordou em me emprestar um de seus instrumentos. Quando fui devolver o instrumento, depois de algumas semanas, ele ficou muito surpreso ao ver que eu era capaz de tocá-lo fluentemente. Ele estava ainda mais surpreso pelo fato de que eu estava tocando o Ondioline com a mão direita enquanto tocava o piano como acompanhamento, com a mão esquerda. Ele não tinha pensado nisso e achou uma excelente idéia. Daquele dia em diante, ele me contratou como demonstrador do Ondioline em feiras por toda a Europa e, graças a isto, ele pode vender seu instrumento (que ele mesmo construia a mão, um a um!).
No mesmo ano Charles Trenet me pediu para tocar o Ondioline em uma de suas canções "L'âme des Poètes", porque ele queria usar sons novos, que nunca tinham sido ouvidos antes. Eu estava bastante nervoso com a sessão de gravação porque eu não sabia exatamente que tipo de música que ele queria que eu tocasse. Quando Trenet chegou e eu perguntei, ele somente me disse: "Apenas toque alguma coisa"! Aparentemente ele ficou feliz com o resultado pois me convidou para sair em turnê com ele.

ASTRONAUTA - Como você conheceu o Robert Moog e o Gershon Kingsley? E seus parceiros mais jovens, como Luke Vibert e Dana Countryman (também autor de "Passport to the Future", biografia de Jean Jacques da Perrey), como você os conheceu e passou a trabalhar com eles?

JEAN JACQUES PERREY - A originalidade dos sons do Ondioline criou muito interesse entre os artistas da época e foi assim que eu conheci não só o Charles Trenet, mas também a Edith Piaf e o Jean Cocteau. Foi graças a eles que eu pude ir para os EUA em 1960, convidado por um patrocinador - Carroll Bratman - que estava interessado em vender o Ondioline nos EUA.
Carroll tinha uma empresa que alugava instrumentos musicais e também possuia estúdios de gravação em Nova York, onde muitas estrelas e músicos trabalharam. Carroll tinha montado um estúdio de gravação especial para mim e muitas vezes ele disse às pessoas que vinham ao seu estúdio para conhecerem aquele "louco francês com seus incríveis e novos sons”. E foi assim que eu conheci o Robert Moog e o Gershon Kingsley.

Dana Countryman escrevia e era dono de uma revista mensal de música eletrônica. Ele me entrevistou várias vezes e mantivemos contato para conversar sobre música. Descobri que nós dois concordavamos em muitas coisas e, pouco a pouco, a idéia de fazer um CD juntos foi surgindo em nossas mentes.
Quanto a Luke Vibert, foi por acaso que nos conhecemos, em um festival em Londres, no qual nós dois tocariamos. Conversamos, trocamos idéias e rapidamente decidimos criar algo juntos.

ASTRONAUTA - Eu vejo você como um dos inventores de técnicas de sampleagem e edição de áudio (ou pelo menos um dos primeiros artistas a utilizar estas técnicas na música popular, especialmente nos seus álbuns com Gershon Kingsley). Vocês fizeram isso pelo menos 30, 40 anos antes do surgimento dos instrumentos, ferramentas e softwares modernos, que agora estão a disposição de todos. Você pode nos contar um pouco sobre isso e se o trabalho do compositor Pierre Schaeffer (o principal nome da "musique concrète") teve influência no seu trabalho?

JEAN JACQUES PERREY - Eu conheci o Pierre Schaeffer em 1959. Ele fazia uma "música séria". Perguntei-lhe se ele achava que a técnica de sampleagem poderia ser usada na música popular. Ele achava que não, mas eu estava convencido do contrário e foi por isso que comecei a cortar e colar fitas para criar loops.
Era um trabalho muito demorado na época (levei cerca de 70 horas para fazer as abelhas em "The flight of the Bumblebee"), pois eu tinha que cortar pequenos pedaços de fita gravada e depois colá-los para criar uma sequência de sons para serem usados como ritmo - ou até mesmo para uma pequena melodia - em uma canção.

ASTRONAUTA - No final dos anos 90 o DJ e músico Fatboy Slim lançou um remix de sua música "EVA" que foi tocado em todo o mundo e fez muitos jovens que nunca tinham ouvido falar do seu trabalho ouvissem (e dançassem) sua música pela primeira vez. O que você acha sobre os novos artistas que mencionam você como influência e utilizam partes das suas músicas como samples ou mesmo remixam suas músicas? Você chegou a samplear outros artistas nos anos 60 ou criou todas os seus próprios "samples"?

JEAN JACQUES PERREY - Eu criei todos os meus próprios samples.
Me sinto muito honrado quando os jovens músicos sampleiam ou remixam minha música (contanto que me dêem os devidos créditos). Acho que é uma prova de reconhecimento, que o que eu fiz valeu a pena e eu sou grato a eles por manterem minha música viva desta maneira.


Obrigado por suas mensagens! Por favor, transmita o meu amor a todos os meus amigos do maravilhoso Brasil.
Com o meu abraço para você.
Jean-Jacques Perrey, 3 de março de 2012



Para maiores informações sobre o Jean Jacques Perrey, acesse: www.jeanjacquesperrey.com

Maiores informações sobre o livro do Dana Countryman, "Passport to the Future: the amazing life of electronic music and pop music pioneer Jean Jacques Perrey" on website do Dana!




Outra foto do Jean Jacques Perrey com sua filha Patricia Leroy:



Fotos de Mal Meehan (capa do livro "Passport to the future" e foto de Jean Jacques & Patricia Leroy), John Rubino (Patricia com Jean Jacques tocando teclado), Randy Yau (Jean Jacques Perrey tocando ao vivo com Dana Countryman), Lisa Haugen (Perrey vestindo camisa azul e segurando uma fita).

...e aqui Perrey vestido como Papai Noel, na capa do álbum "Switched on Santa", de Sy Mann!!!!!!!

2 comments:

  1. Astronauta, belo trabalho este seu de entrevistar um músico brilhante e inventivo quanto Jean Jacques Perrey com perguntas inteligentemente elaboradas, pertinentes e adequadas. Fico feliz em ver teus trabalhos e tua dedicação à musica. Um abraço, do amigo Dal Ri.

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  2. Legal Dal Ri! Fico feliz que tenha gostado! Um abs!

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